Adotar boas práticas ambientais, sociais e de governança deve fazer parte da estratégia de uma empresa, através de instrumentos de gestão, pois que a tornará mais estável e o negócio mais previsível, além de que serão procedimentos valorizados pelos clientes e, com isso, poderão conduzir mais rentabilidade ao negócio. Em última análise, o mercado premiará a boa reputação, a transparência e a responsabilidade dos atores que as perfilhem. Assim dito, parece fácil, mas requer grandes transformações no seio das empresas, não só de gestão, mas também na própria filosofia empresarial, que terá que observar os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) definidos pela Agenda 2030 das Nações Unidas.
A este propósito, e porque a mobilidade e os transportes, de passageiros e de mercadorias, não estão isentos do alcance desta temática, as revistas EUROTRANSPORTE e eMOBILIDADE+, em parceria com o ipluso/ESCAD, organizaram a conferência em epígrafe, realizada no final de outubro, e que teve lugar no auditório do Metropolitano de Lisboa, no Alto dos Moinhos. Um novo tema no setor, que despertou tanto interesse quanto convergência de opiniões quanto ao mérito das medidas. À laia de conclusão, dir-se-ia que a maioria dos oradores concordaram com os pressupostos da União Europeia que decidiu adotar aqueles ODS, que é um caminho que deve ser feito, com o acento tónico no desenvolvimento com sustentabilidade, mas que exigirá muitas mudanças na gestão e na estratégia das empresas, não só dos grandes grupos económicos, mas também das PME, a quem também cabe o chapéu ESG.
Sem prejuízo do que de mais importante foi dito nos painéis de discussão, aqui fica um breve resumo da sessão, e algo mais sobre os contornos destas medidas e regulamentos.
Luís Cabaço Martins, presidente da ANTROP, abriu a sessão e logo destacou que para a primeira letra da sigla ESG - Ambiental - o país tem que realizar o shift modal e garantir que o transporte público tem que ser atrativo para os utentes. “Com €90 milhões inscritos no PRR seriam precisos 33 anos para reconverter [eletrificar] toda a frota de a5 mil autocarros”, disse, destacando igualmente que a falta de mão-de-obra no setor é uma questão central.
Critério e regulamento
A União Europeia (UE) estabeleceu então critérios e um regulamento de taxonomia para promover investimentos sustentáveis e garantir a transparência e a coerência na classificação de atividades económicas sustentáveis. Estes constituem um conjunto de padrões para as operações de uma empresa que os investidores socialmente conscientes utilizam para selecionar potenciais investimentos. Esses critérios avaliam como uma empresa impacta o meio ambiente, como gere as suas relações com funcionários, fornecedores, clientes e a comunidade, e como lida com sua governança corporativa.
O Regulamento de Taxonomia, criado em 2020, classifica e identifica atividades económicas que podem ser consideradas ambientalmente sustentáveis, como a mitigação das mudanças climáticas; Evita o "greenwashing", garantindo que as atividades classificadas como sustentáveis não prejudiquem outros objetivos ambientais; Estabelece critérios técnicos de avaliação, definindo requisitos específicos para determinar a sustentável do ponto de vista ambiental.
Tais critérios técnicos de avaliação consideram a natureza e a escala da atividade económica, bem como se a atividade é de transição ou capacitante.
“Querem-se boas práticas, mas as empresas de transportes de mercadorias precisam de capital para avançar com a eletrificação”, disse Ana Rita Prates (ZERO), ao que Miguel Cruz (IP) acrescentou: “A eletrificação das infraestruturas [ferroviárias] corre bem, o problema é o tempo que demora e os montantes envolvidos.”
Assim se começou a abordar a dimensão ambiental de tais critérios no setor dos transportes. Para Frederico Francisco, ex-secretário de Estado das Infraestruturas, “o importante é que se faça a transferência modal e que o espaço na cidade seja reclamado para as pessoas e as bicicletas e que seja possível os transportes públicos terem uma aceitável velocidade comercial.”
Também importante, no seu entender, é a mobilidade empresarial. “Quando uma empresa vai contratar alguém é abordado a possibilidade de atribuir um incentivo de mobilidade para a utilização de transportes públicos, ou um plafond para leasing de automóvel. Já se sabe quão óbvia é a resposta...”
A ecologista acredita que seria melhor os empregadores facultarem autocarros para os trabalhadores, ou subsidiarem o passe e a compra de bicicletas, o que também estimularia a economia. E ainda estacionamento gratuito à entrada das cidades, onde passem transportes.
Hélder Rodrigues (ADENE) explora outro lado das viaturas particulares: “As empresas andam entusiasmadas com as viaturas elétricas, e daqui a uns anos essas mesmas irão chegar aos cidadãos, em 2ª mão, mas agora com garantias das marcas para as baterias, já algo usadas.”
Investimentos verdes
Mas também disse que algo já está a mudar: “As empresas estão a ser pressionadas a realizarem investimentos verdes e já há bancos que os financiam a taxas preferenciais.”
“Não há uma bala de prata, e as empresas não encontrarão uma fórmula que preencha todos os critérios ESG. Terão que pensar em todos”, rematou Miguel Cruz, lembrando que a UE vai olhar para os reportes e analisar o custo-benefício dos investimentos.
Quando à responsabilidade social e governança, para Elisabete Leonardo (Fertagus), “ter um trabalhador motivado, bem tratado, profissionalmente capacidado e que sente que é monetariamente correspondido deve ser um comprometimento de qualquer administração.”
António Soares (Rodocargo) falou em trabalho de antecipação: “Preparar a estratégia e as operações, comunicá-las a toda a força de trabalho e antecipar os riscos, preparando planos b e c.”
Rui Rei (Parques Tejo) disse acreditar que haverá muitas transformações a fazer nas empresas, “mas que sejam sustentáveis e duradouras”, e concedeu grande importância ao facto de as empresas terem de assumir um compromisso com a sociedade, pois “com uma rede eficiente de transportes públicos, frequentes e previsíveis, podem contribuir de forma ativa para que os cidadãos que vivem e trabalham nas cidades tenham mais facilidade em deslocar-se, e assim tenham mais tempo para si e para as suas famílias”. E deu o exemplo de Oeiras, que vai ligar o concelho aos vizinhos de Sintra e Cascais, retomando o projeto SATU.
A inovação e a eficiência estão longe de ficar para trás neste processo, pois, no entender de Rui Ribeiro (Auren), “a aceleração dos dias de hoje é exponencial e vai ter grande impacto no setor dos transportes”. Da mesma forma opinou Filipe Beja (IP), ao dizer que é preciso pensar o que será a mobilidade daqui a dez anos, porque isto vai acelerar.
E de eficiência falou Sérgio Tomázio (Siemens). “Tratamos da circularidade do material circulante, de Portugal para o resto do mundo. E quanto ao social, pretendemos, até 2030, atingir o net zero, garantindo, também, que os funcionários tenham 24 horas de formação digital anual, para que se mantenham relevantes durante muitos anos.”
“A indústria automóvel tem gasto muito para descarbonizar, à volta de €250 mil milhões. E se os clientes não compram os automóveis [elétricos], a UE penaliza a indústria... Estão a faltar incentivos para as pessoas os comprarem”, atirou Hélder Pedro, secretário-geral da ACAP.
Luís Barroso (Mobi.e) exaltou a capacidade inovadora do país - “andamos na frente”, disse -, apontando como exemplo o facto de a Alemanha e o Estado da Califórnia estarem a pensar seguir o exemplo português da infraestrutura de carregamento automóvel.”
Nas instalações do Metropolitano de Lisboa, a administradora Maria Helena Campos deu como exemplo os novos comboios da CP, modernos, como novos sistemas de sinalização e regulação, e que em breve começarão a ser vistos na Linha Azul, com períodos mais reduzidos entre comboios.
Rui Lopo (TML) alertou que convém não esquecer o básico: “que as as infraestruturas sejam dignas para os transportes, de maneira que possamos gerir as expetativas dos utentes, apostando na digitalização e bilhética, com suficiente informação ao público e uma sistema de informação da performance dos transportes.”
Como financiar?
Para financiar a mobilidade aliada à ação climática, Miguel Gaspar (SIBS) adianta que os privados têm que fazer a parte que o público não conseguirá realizar. “No mínimo, pois é o maior contribuidor para a emissão de GEE. Deveria ser mais simples a uma empresa adquirir passes para os seus funcionários, tão ou mais que as despesas de leasing da frota que lhes coloca à disposição.”
Também Carlos Silva (EMEL) acredita que o privado terá que estar no primeiro pelotão do financiamento. “As nossas receitas provêm do estacionamento na via pública, que são aplicadas na melhoria da mobilidade, na construção de ciclovias e pontes ciclopedonais, como que em economia circular.”
Em videoconferência, Birgitte Keulen (Banco Europeu de Investimentos) enfatizou à assistência a importância da descarbonização, “pois tudo o que não fizermos agora pelo ambiente iremos pagá-lo no futuro”, e se Luís Miguel Martins admitiu que o Fundo para o Serviço Público de Transportes do IMT é demasiado escasso para as solicitações, aquela entidade bancária acredita que os bons projetos, bem sustentados (e sustentáveis) terão sempre luz verde para criar um melhor ambiente.
EM SÍNTESE
Não existe uma lista exata de critérios. Os fatores ESG precisam apenas ser classificados nos três aspetos essenciais, Ambientais (conservação do mundo natural), sociais (pessoas) ou de governança (padrões de administração). Eis alguns deles:
Fatores ambientais
Mudanças climáticas e emissões de carbono; Poluição do ar e da água; Biodiversidade; Desmatamento; Eficiência energética; Gestão de resíduos.
Fatores sociais
Satisfação do cliente; Proteção de dados e privacidade; Género e diversidade; Envolvimento dos funcionários; Relações com a comunidade; Direitos humanos; Normas trabalhistas.
Fatores de Governança
Composição do conselho; Estrutura do comité de auditoria; Suborno e corrupção; Remuneração executiva; Lobby; Contribuições políticas.