Carlos Vasconcelos, presidente da MEDWAY, diz que o transporte de mercadorias por ferrovia está a ser penalizado e discriminado face à rodovia, o que classificou como concorrência desleal. E dirigiu contundentes críticas ao atual Governo por, segundo afirmou, "investir milhares de milhões numa excelente rede ferroviária onde não circularão comboios de mercadorias."
Tais críticas foram feitas no dia 11 de janeiro, em Lisboa, durante a apresentação de quatro locomotivas elétricas, interoperáveis, de última geração para um serviço ibérico de transporte de mercadorias. As novas locomotivas Stadler Euro 6000, são as primeiras de 16 que foram adquiridas há dois anos, num investimento superior a 90 milhões de euros, contrato que pressupõe ainda a entrega de 113 vagões.
Apresentado o novo material circulante, que reforça o compromisso da empresa para a redução da pegada de carbono e, consequentemente, para um setor logístico mais verde, a MEDWAY, operador privado de transporte ferroviário de mercadorias, que em 2016 adquiriu a CP Carga, já reforçou o seu parque de material com outras 28 locomotivas, num investimento 120 milhões de euros, conta com 878 colaboradores em Portugal e Espanha, e anunciou que tem como objetivo tornar-se o maior operador ibérico e um dos principais players europeus. Para 2025 tem agendado o início das operações em França.
De acordo com Carlos Vasconcelos, a empresa encontra-se a desenvolver o Terminal do Lousado, o maior do género da Península Ibérica e investimento superior a 80 milhões de euros e prossegue com o projeto da unidade de fabrico de vagões e de um complexo oficinal para a manutenção e reparação de locomotivas e vagões, correspondendo a um investimento superior a 70 milhões de euros em indústria pesada.
Um comboio substitui 40 camiões
Versando sobre o compromisso assumido por Portugal e a União Europeia tendo como meta e objetivo a redução das emissões de CO2 nos transportes e na logística, Carlos Vasconcelos frisou que tal significa, na prática, menos camiões nas estradas e mais locomotivas nos carris. "Recordo, a propósito, que cada comboio substitui, em média, 40 camiões. E para isso necessitamos de apresentar uma alternativa ferroviária eficiente a milhares de empresas que ainda transportam as suas mercadorias por estrada. Temos de criar as condições competitivas para que possam passar para a ferrovia. Mas não é com palavras bonitas que o país e a União Europeia o conseguirão e precisamos de atos concretos", disse o presidente da empresa na sua alocução.
E de seguida elencou os fatores que justificam o que disse ser uma "concorrência desleal da rodovia", em lugar de uma discriminação positiva do transporte por comboio: "A maior parte da rede rodoviária não tem qualquer portagem para carga. Mas, em toda a rede ferroviária existe uma taxa de utilização imputada diretamente aos operadores. Porquê? Porque foi sempre assim; Os operadores ferroviários suportam a quase totalidade dos custos de manutenção da infraestrutura. Os operadores rodoviários não. Porquê? Porque foi sempre assim; A rodovia recebe subsídios para a renovação da sua frota. Para terem camiões mais eficientes e sustentáveis. A ferrovia não. Porquê? Porque sim!; A rodovia recebeu as compensações pelo aumento dos custos dos combustíveis em 2022 e 2023. E a ferrovia? Nada. Nem um cêntimo! Porquê? Não sabemos. O Governo anunciou em 2022 estes apoios também para ferrovia e renovou-os para 2023 tal como o fez para a rodovia. Prometeu, mas não cumpriu! Mas a rodovia já recebeu os seus apoios!; Neste ano que passou a rodovia voltou a ter, de novo, redução de portagens em várias autoestradas. E bem! Em nome da coesão territorial. E a ferrovia? Aumentam-se as taxas! Ao mesmo tempo que fica mais barato transportar mercadorias por estrada, decide-se aumentar este ano em 21% e 23% a taxa de uso da rede ferroviária, respetivamente para a tração elétrica e para a diesel. São, em média, 22% de aumento, e a que se somarão mais 8% em 2025. Em dois anos são quase 32% de aumento (31,7%). Porquê? Porque sim; Espanha cobra uma taxa de uso de 23 cêntimos por quilómetro. Portugal cobra 1,87 euros. É oito vezes mais caro transportar em Portugal do que em Espanha; A Áustria, por exemplo, isentou a cobrança de taxa de uso às empresas de transporte ferroviário de mercadorias."
Face ao que diz ser flagrante contradição entre os discursos e a realidade das decisões - "somos um país verdadeiramente esquizofrénico, em termos ferroviários" -, Carlos Vasconcelos disse ainda que "podemos chegar ao extremo de ter uma excelente rede ferroviária onde não circularão quaisquer comboios de mercadorias, face à gritante discriminação de medidas que apoiam a rodovia e penalizam a ferrovia", admitindo também que os "operadores ferroviários de mercadorias poderão mudado o seu material circulante para o país vizinho que desenvolve uma verdadeira política de incentivo à transferência modal, e enquanto a rodovia estiver em concorrência desleal, como é que conseguiremos atrair o mercado para a ferrovia, substituindo os camiões pelos comboios, a investir na descarbonização da sua atividade logística, a reduzir, no fundo, a sua pegada de emissões de CO2?"
Apoio aguarda decisão de Bruxelas
Confrontado com algumas acusações da Medway, concretamente no que concerne aos aos apoios ao transporte ferroviário de mercadorias pelo aumento dos custos com energia e combustíveis, o gabinete do secretário de Estado adjunto e das infraestruturas, Frederico Francisco, citado pela agência Lusa, respondeu que a Comissão Europeia ainda está a analisar o pedido de ajuda financeira de Portugal, apontando tratar-se de um processo negocial mais exigente que o da rodovia. Todavia, lê-se na nota daquela Secretaria de Estado, que as autoridades nacionais têm vindo a prestar os esclarecimentos e informações solicitados pela Comissão Europeia com vista à sua decisão final.