O Congresso da Mobilidade Sustentável Global Mobility Call, realizado em Madrid e que ontem se concluiu chegou à terceira edição com a sensação de que alguns dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, e nomeadamente o da mobilidade isenta de emissão de gases com efeito de estufa (GEE), não serão atingidos na data estabelecida pelos políticos europeus, esta em 2030, a sociedade em si mesma, atingindo a neutralidade carbónica em 2050.
Os transportes rodoviários terrestres são os segundos maiores contribuidores daqueles GEE, antecedidos pelo setor da produção de energia. E o cenário dito de difícil realização é conferido pela constatação de que a transferência modal não está a ser feita a velocidade considerada, no mínimo, razoável e que a transição energética das viaturas particulares para a energia elétrica está a ser demasiado lenta.
Parte da realidade europeia, pela amostra dada no GMC, através do modelo de descarbonização espanhol, coloca a nú debilidades e grandes vulnerabilidades e mostra como todo o processo pode ser colocado em causa, ou exequível na data-chave. Há quem lhe chame de cenário irrealista. Ou então é descrito por atores demasiado céticos, mas sendo tantos, e ainda por cima altos responsáveis de instituições públicas, mas também privadas, e académicos, há que os levar em consideração.
Alguns exemplos que atestam a dificuldade para exercer o Plano Nacional Integrado de Energia e Clima de Espanha, foram revelados na última sessão de debate do palco principal do Congresso. Assentando, como na maioria dos países europeus, em três grandes pilares - transferência modal, redução de emissões e eletrificação -, a estratégia espanhola passa por eletrificar toda a frota pública de transportes públicos até 2030, o que seria um importante contributo para descarbonizar a sociedade até 2050. Mas tal processo tem um custo absurdo: seriam necessários 14,3 mil milhões de euros, na medida de renovação de 1300 unidades por ano. Outro óbice detetado: a incapacidade de quem os produz de realizar entregas de tal volume... Parte da solução apontada: os privados têm que colaborar no processo, ainda que com ajuda de fundos públicos, como incentivos à eletrificação das frotas.
Não foi a primeira vez que foi ouvido, mas voltou a ser aflorada a questão da excelência das redes de transportes públicos de Madrid, o que entra em contradição com o facto de 50% dos madrilenos optarem pela viatura própria na suas deslocações diárias. Ora, contra este facto há poucos argumentos. A não ser... impor mais restrições à circulação, taxar o acesso aos grandes centros e tornar gratuita a utilização dos transportes públicos, cujas redes devem ser ampliadas em 40%. Mais: evitar a ‘mobilidade obrigada’ nos dias de semana, reforçando a vertente de teletrabalho e outras formas de trabalho remoto, e promover verdadeiras vias de elevada ocupação (dois ou mais passageiros por viatura), o uso de viaturas partilhadas e os modos suaves.
São necessárias infraestruturas de qualidade, em vias segregadas do trânsito particular, para que o transporte público seja mais competitivo que aquele, que seja mais barato ou gratuito, previsível, fiável, e que os sistemas de bilhética e de informação sejam digitalizados.
Baterias geram receio
Em outra sessão de debate foram examinadas as lições aprendidas com iniciativas privadas e com investimentos feitos através de parcerias público-privadas, e se já se ficou a saber que Espanha está atrasada na Europa na transição para o carro elétrico - necessitando de expandir a rede de pontos de carregamento, foi dito por Pierre-Yves Sache, vice-presidente executivo de Mobilidade & Novo Comércio da MOEVE, que “em Espanha ainda há medo de ficar sem energia da bateria, por isso o número de pontos de carregamento deve ser multiplicado.
Outra realidade, na Noruega foi descrita por Sampo Hietanen, proprietário da Aspectu Oy, citando o exemplo do sistema de fortes incentivos à compra e uso generalizado de veículos elétricos e mantém o mercado em funcionamento. Na sua opinião, a mobilidade é um enorme ecossistema, por isso é necessária liderança política e há bons exemplos disto na Europa.
Maya Ben Dror, cofundadora da Coo Complexchaos, destacou a China, que tem uma maneira diferente de gerir a sua transição e fá-lo de uma forma muito bem coordenada. O consumidor está mais envolvido com a tecnologia e os chineses estão a adaptar-se muito bem.
Já Roger Atkins, fundador da Electric Vehicles Outlook, a realidade é que os veículos elétricos no mercado têm sido vendidos a preços elevados, liderados pela BMW ou Tesla, mas a chegada de carros mais baratos de outras marcas, como a Renault, por exemplo, pode mudar este estado de coisas.
Porém, Atkins aliviou o ambiente com um cenário mais otimista: “Em 2023, um em cada cinco carros vendidos globalmente era elétrico, enquanto as entregas no primeiro trimestre deste ano ultrapassaram todas as entregas anuais de há quatro anos e espera-se que as vendas totais do ano rondem os 17 milhões.”
Carros mais baratos
A corroborá-lo, Jorge Muñoz, responsável pela Mobilidade Inteligente na Iberdrola, disse que o próximo ano será de transição para os carros elétricos, graças a novos modelos que serão mais baratos e, a partir de 2026, espera-se que o mercado se relance e comece a crescer muito fortemente. Esta empresa já construiu 8000 pontos de carregamento, revelando aquela empresa que está a realizar mais investimentos para se antecipar à procura.
Já a diretora-geral de Transporte Rodoviário e Ferroviário, Roser Obrer Marco, destacou que o clima é favorável para que os diferentes atores envolvidos trabalhem em conjunto. Também foi valorizado o facto de que os subsídios para começar essa transição estão no caminho certo e todos concodaram que os preços se tornarão gradualmente mais acessíveis, tanto das viaturas particulares como para os autocarros de transporte coletivo.
Aviões elétricos ou a H2 ainda longe do Atlântico
Juan Cierco, diretor corporativo da Iberia, destacou no útimo dia do Congresso, que não será possível cruzar o oceano Atlântico em aeronave elétrica ou de combustão de hidrogénio no curto prazo e que a descarbonização terá que ser alcançada tornando o combustível de aviação sustentável (SAF) mais barato.
De acordo com a Cierco, o SAF é "a única ferramenta concreta" para cumprir as metas de emissões líquidas zero em 2050, pois reduz as emissões de dióxido de carbono (CO2) em 80% e o fará em até 100% quando o SAF sintético, um combustível que está atualmente em desenvolvimento, puder ser usado.
Outros atores da cadeia de valor da aviação comercial também participaram do evento, pedindo maior proximidade com os governantes nessa discussão, a fim de acelerar a produção de SAF, que custa de quatro a cinco vezes mais que os combustíveis fósseis.
Soluções digitais e interoperáveis da Indra
A Indra apresentou nesta edição as últimas inovações que incorporou na sua plataforma In-Mova Traffic para gestão de tráfego e infraestruturas, como nuvem, IA ou tecnologia C-ITS para carros conectados, já implementada em países como Estados Unidos, Austrália, Reino Unido e Irlanda. E em Espanha está a desenvolver um projeto pioneiro à escala global para a Direção Geral de Trânsito.
Um sistema dinâmico de portagens de fluxo livre que melhora o tráfego em estradas de alta ocupação ou no acesso às cidades e está a ser implementado em diferentes rodovias nos EUA, país que optou pelo sistema de Deteção Automática de Veículos de Alta Ocupação (DAVAO) da Indra, com inteligência artificial e deep learning, que permite a deteção automática, em tempo real, do tipo de veículo que circula em uma via, bem como dos ocupantes, para dar prioridade e promover o uso de veículos de alta ocupação e baixa emissão.
A Indra é uma das principais empresas internacionais de bilhética, tendo ganho um dos maiores contratos da Irlanda para gerir de forma abrangente o sistema de coleta em toda a rede de transporte público do país. Serão incorporadas tecnologias de ponta, como o uso de cartões bancários, telemóveis ou smartwatches como meio de acesso ao transporte e gestão através de contas de passageiros (Account Based Ticketing-ABT), um modelo muito mais avançado e eficiente, que garante a aplicação da melhor tarifa ao usuário.
A Indra também apresentou a sua tecnologia In-Mova Transit para a gestão do transporte de passageiros, tanto urbano quanto interurbano, e o progresso da primeira plataforma multi-urbana de Mobilidade como Serviço (MaaS) que está a ser desenvolvida em Espanha e que permitirá oferecer aos cidadãos, de forma integrada em um único aplicativo, toda a gama de meios de transporte públicos e privados e zonas de baixa emissão de seis cidades.
O futuro dos robotáxis
A Waymo, subsidiária robotáxi da Google que opera em várias cidades dos EUA, faz 150.000 viagens diárias e percorre 1,6 milhões de quilómetros, e no evento para apresentar "A revolução Robotaxi". O diretor de Investigação de Segurança e melhores práticas, Trent Victor afirmou que a segurança nesse tipo de veículo é muito importante, por isso a empresa continua trabalhando nisso, levando em consideração que cada vez mais viagens estão a ser solicitadas.
A Waymo nasceu como projeto de carro autónomo do Google em 2009 e forneceu a sua primeira viagem sem condutor em 2015, opera nas cidades americanas de São Francisco, Los Angeles, Phoenix e Austin e em breve também o fará em Atlanta. Em Austin e Atlanta, os serviços são requeridos pelo aplicativo Uber. Nos primeiros 40 milhões de quilómetros percorridos apenas com passageiros sem motorista, houve 81% menos acidentes. Da mesma forma, houve 72% menos acidentes com ferimentos e 57% menos acidentes relatados pela polícia, detalhou Trent Victor. Com 100% menos reclamações de lesões corporais e 76% menos reclamações de danos materiais, a resseguradora Swiss Re concluiu que a Waymo é "significativamente mais segura do que os veículos dirigidos por humanos", disse. Sem segurança, os veículos autónomos não têm sentido, e a prioridade da Waymo é garantir uma experiência de viagem segura para quem entra e sai de seus veículos.
Recorde de afluência
Mais de 10.000 profissionais (8.000 presenciais e 2.000 online) constituíram-se em afluência recorde ao evento sobre mobilidade sustentável organizado pela IFEMA MADRID e Smobhub, em formato de Congresso e Expo que reuniu cerca de 450 líderes de opinião e influentes especialistas nacionais e internacionais num total de 115 mesas redondas e keynote speechs, observados por mais de 230 jornalistas credenciados. As sessões mergulharam nas últimas tendências, projetos e soluções para fortalecer e acelerar a transformação que as empresas e instituições estão a realiza.
A agenda deste ano foi desenvolvida seguindo sete itinerários para moldar temas enquadrados no debate global sobre mobilidade sustentável: Transição energética - Impulsionando a transformação da mobilidade; Mobilidade urbana - Soluções de transporte público e mobilidade partilhada; Transporte intermodal - Mobilidade eficiente e sustentável; Planejamento de mobilidade inteligente - Projetando espaços urbanos mais habitáveis; Transformação automotiva - Adaptação a uma nova era de mobilidade; Tendências tecnológicas - Acelerando a revolução da mobilidade; e Disrupção Estratégica - Inovação, Talento e Segurança Cibernética.
Carlos Branco, com agência EFE