"Tento manobrar isto como um ligeiro, mas já é um pesado"
Conheça Dan Menahem, administrador da Sofrapa, Figura Mais do Suplemento Mais Eurotransporte.
Nascido em Marrocos e criado em Paris, veio para Portugal a bordo de uma oportunidade de negócio, já lá vão quase 28 anos. Aprendeu português “com o pessoal do armazém” e arregaçou as mangas para transformar a Sofrapa numa das maiores empresas nacionais de peças. Reservado, mas absolutamente pragmático, rejeita louros sobre aquilo que já conseguiu, porque “as coisas vão acontecendo”, não escondendo o orgulho “de ver a equipa a avançar” e crescer. É nossa Figura Mais desta edição o administrador da Sofrapa, Dan Menahem.
Recebe-nos no escritório decorado por si próprio, por cima de um dos vários armazéns que a empresa hoje ocupa na Rua Heróis de Chaimite A, em Odivelas. Na verdade, é quase um quarteirão inteiro de instalações da Sofrapa, repleto de armazéns que foram sendo adquiridos e interligados ao longo dos últimos anos. “A sede sempre foi aqui, era só um armazém, agora são quinze, todos juntos uns aos outros… vivemos num triplex de peças”, conta Dan Menahem, com um sorriso. Em recuperação de uma cirurgia ao joelho, lamenta não poder vaguear mais pela empresa e “falar com as pessoas”, vendo-se temporariamente confinado ao seu espaço, “gosto de ir ver, cheirar, perceber… gosto da relação humana, não gosto de ficar fechado a ver folhas de Excel. Faz parte, mas não é o que gosto…” Veio para Portugal com 27 anos, depois de adquirir a Sofrapa, uma empresa que, na altura, já existia há 33: “era uma loja, um armazém pequeno e 16 pessoas. Já era alguma coisa!”, recorda. Tinha estudado gestão e gerido uma empresa em França, noutro sector, com o mesmo número de trabalhadores. À chegada, o seu maior problema foi a língua, pois “falava espanhol, o que só ajudava para a escrita, na comunicação oral nem tanto. Aprendi com o pessoal do armazém e não é o melhor português… [risos], quer dizer, é o português bem real!”, exclama.
Paulatinamente, a Sofrapa chegou aos 150 funcionários, há três anos, tendo, desde então, duplicado o número de colaboradores. “Até há três anos éramos 150, crescíamos aos poucos, daí para cá é que foram mais 50 pessoas por ano”, afirma, explicando que o salto “tem a ver com a transformação na distribuição PSA - onde ganhámos dimensão - e na nossa estratégia de lojas, com mais pontos de venda, mais distribuidores, mais vendedores”. Hoje são mais de 300 colaboradores (espalhados entre a sede e as 15 lojas), que Dan Menahem tem pena de já não conhecer “tão bem”, como quando a empresa era mais pequena. “Sou acessível, gosto de os ouvir, conhecer o lado humano da empresa”, diz. Assume que trabalha muito, sem ser “obcecado pelo trabalho”. Aliás, por volta das 18h30 é hora habitual de regressar a casa e depois das 20h evita atender chamadas profissionais. Dá uma vista de olhos no e-mail antes de ir dormir, “mas não abro, vejo só o que é… não consigo desligar”, constata.
Na Sofrapa tem “dois ou três braços direitos” e delega tanto quanto pode. Não gosta de controlar e até queria “controlar menos, mas às vezes solicitam-me para ter a certeza de algo, porque correm menos riscos”. É uma característica do povo português que, considera, mesmo com liberdade, “gosta de se abrigar a uma autoridade paternalista. Mais facilmente vão tentar perceber o que eu gosto do que reivindicar um ponto de vista diferente do meu”.
Quase três décadas depois de ter chegado a Portugal, ainda não se desabituou de pensar em francês e fala de forma pausada e ponderada, como que à procura da melhor forma de dizer o que pretende. “A única coisa que faço em português é trabalhar”, reconhece. De resto, continua a ler notícias e a ver televisão na língua materna e fala também com os filhos mais novos em francês. No entanto, sente-se lusitano e até brinca, dizendo que gosta “mais de bacalhau do que de salsichas de Estrasburgo. É evidente, Portugal marca-nos muito e eu estou cá porque gosto, senão não tinha ficado”. Definitivamente, já não quer sair de Portugal e, no futuro, só se tivesse duas casas, ao pé do mar, “uma aqui, a outra em Miami, não era mau!”. Sonhos, só os “alcançáveis, os que tive já concretizei”, frisa.
Metas realistas, de pés bem assentes no chão, com o objectivo de crescer no mercado, é a forma que tem de estar na Sofrapa. E como é que se cresce? Dan explica, “com um bom serviço, bons profissionais, sendo uma empresa que corresponde às expectativas do cliente, com uma boa plataforma online”. O grande desafio é “tentarmos, apesar de sermos uma empresa grande, ter um serviço como os pequenos: ser mais rápido ao telefone, mais rápido a atender, mais rápido a entregar. Com 15 lojas, queremos continuar a ser o que éramos, uns «porreiros» com bom atendimento”.
Dan não se preocupa com a posição da empresa no mercado, mas sim com a quota que ocupa e justifica “se não pesarmos nada no mercado, não conseguimos negociar, é uma questão de sobrevivência”, e este ano, “temos que crescer cinco milhões”. Agora, que a empresa é grande, “já não se faz nada em 15 dias, é um comboio e cada curva demora mais tempo. Ainda tento manobrar isto como um ligeiro, mas já é um pesado”, salienta.
Pouco dado a entrevistas, prefere ficar nos bastidores, porque não necessita do “reconhecimento dos outros. Preciso de achar que estou em conformidade com os meus valores, princípios e sentimentos e não do aval dos outros. A empresa precisa de projecção, eu não”. Gostava de um dia ver a Sofrapa ser ibérica, “era saudável, mas já não é fácil lidar com o crescimento interno e para fazer mal, não vale a pena”. Além disso, preza muito a independência, e orgulha-se de não ter de deixar entrar nenhum accionista capitalista, que entende “é o desafio mais complicado” e que tem sido superado com sucesso.
*Texto originalmente publicado na Edição n.º 109 da Revista Eurotransporte, Suplemento 7