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Gustavo Paulo Duarte: “Um sector mais regulado será bom para todos”

20 março 2020

Após seis anos na liderança da Associação Nacional dos Transportadores Públicos Rodoviários de Mercadorias (ANTRAM), Gustavo Paulo Duarte faz um balanço do seu mandato, que ficou marcado por várias conquistas para o sector.

Exemplos disso foram as negociações sobre o gasóleo profissional e o novo Contrato Colectivo de Trabalho.

Sempre com uma agenda muito preenchida, dividindo-se entre as suas funções de presidente da Associação Nacional dos Transportadores Públicos Rodoviários de Mercadorias (ANTRAM) e as de Director geral da Transportes Paulo Duarte, o nosso interlocutor conseguiu dedicar à EUROTRANSPORTE uma hora do seu tempo para fazer um balanço dos seis anos em que esteve aos comandos da instituição.

Eurotransporte: Quando em 2013 decidiu candidatar-se à presidência da ANTRAM imaginou que seria para dois mandatos?

Gustavo Paulo Duarte: O desafio em 2013 era diferente do que foi três anos depois, mas se na altura achava que estes eram os objectivos que íamos alcançar? Não. A ANTRAM estava a passar por uma fase muito difícil, crise financeira, de estrutura da própria associação e a missão era quase como gestor, para ver se a ANTRAM não fechava. Na altura discutia-se a insolvência da ANTRAM e tantas outras coisas, mas esta era a nossa missão e depois,ao longo do tempo, os nossos objectivos foram mudando também, porque fomos resolvendo parte dos nossos problemas ao mesmo tempo que iam surgindo outros.

O facto de ter sido o presidente mais novo na ANTRAM foi um handicap ou, por outro lado, mostrou ser uma vantagem?

Nada se faz sozinho. Apesar de ser o presidente mais novo, fui acompanhado por uma equipa também ela jovem, da qual eu sou, de facto, o mais novo. Na altura acho que foi uma vantagem, porque era alguém com um pensamento diferente, que vinha livre dos vícios antigos do sector e vinha de uma nova leva de gestores que sempre viveram na dificuldade do transporte. Não me lembro de se ganhar muito dinheiro nos transportes e, portanto, viemos com outra mentalidade.

Foi ainda durante o primeiro mandato que começaram as negociações para o Contrato Colectivo de Trabalho Vertical (CCTV). Em Agosto de 2018 chegaram a acordo com a FECTRANS e em Outubro deste ano fizeram a assinatura com os sindicatos de motoristas e com Associação Nacional das Transportadoras Portuguesas. Como é que foi este processo de negociação?

Aquilo que desbloqueou um pouco as cedências foi percebermos que havia um objectivo comum, que era a valorização do sector, das pessoas e das empresas. Sem pessoas não há empresas e sem empresas não há pessoas a trabalhar no sector. A ANTRAM tem um passado e os sindicatos têm também um histórico de dificuldade na negociação. Nunca verdadeiramente se quis resolver problemas estruturais, simplesmente se falava de temas pecuniários. Aquilo que esta direcção entendeu foi que, para negociar um CCTV, teríamos de começar pela parte que interessa: as regras. Portanto, houve um alinhamento em que primeiro se definiram as regras e depois demos-lhes valor. Acho que foi essa estratégia que desbloqueou o processo e que levou a que, seis anos depois, nos tenhamos entendido.

Gustavo Paulo Duarte (3)

Gustavo Paulo Duarte assumiu a presidência da ANTRAM em 2014 e cumpriu dois mandatos

 

O ano de 2019 foi particularmente complicado, maioritariamente devido à negociação com o Sindicato Nacional de Motoristas de Matérias Perigosas. Foi difícil gerir esse processo?

As greves são sempre difíceis, tanto para as empresas, como para as pessoas. Percebemos que houve um movimento que estava mais relacionado com um aspecto mediático de valorização, do que propriamente com a resolução dos problemas do sector.

Nós seguimos sempre a nossa linha de negociação com os sindicatos que entenderam que essa era a linha correcta. Não podemos fazer acordos e depois fazerem-se greves sob acordos fechados e dizer que se mente. Mentir não faz parte da nossa maneira de estar, nunca o fizemos e dificilmente o faremos, até porque não temos necessidade de o fazer.

Nos últimos anos tem-se falado muito da valorização, da falta de condições, mas acho que todos os que vivem deste sector, principalmente os motoristas, pensam que têm uma vida muito difícil. Mas se calhar não conhecem outras realidades, onde se trabalha tanto ou mais e se recebe talvez metade. Durante as greves ouviu-se dizer que antes se recebia muito mais dinheiro. Isso é justificável, mas a verdade é que se trabalhava muito mais.

Hoje em dia as regras de trabalho são as que são, as regras de repouso e condução são as que são. Portanto, hoje trabalha-se menos e recebe-se menos. É uma realidade que, de facto, tem vindo a acontecer no sector.

Assinaram a revisão do CCTV com todos os sindicados e associações. Qual vai ser o verdadeiro impacto deste contrato no sector?

Muitas empresas vão passar dificuldades. O preço de transporte é a base de custos mais a margem aplicada. É assim que se chega ao preço. Não pode ser ao contrário, não pode ser o preço e depois vamos tentar ganhar dinheiro. As empresas têm de fazer bem as suas contas, repercutir bem os seus custos. Todos sabemos da dificuldade na mão-de-obra, a rentabilização dos custos está a ficar cada vez mais alta e a optimização dos nossos clientes continua a ser a mesma. Muitas horas de paralisação, muitas horas de ineficiência, trabalho administrativo a mais para um camião que tem um custo fixo. Portanto, as empresas que entendem isto e que vão ter a capacidade e a coragem de, se calhar, reduzir frotas, dizer que não a muitos clientes, que não conseguem trabalhar aqueles preços, essas são as que vão cá ficar no futuro. Nem que para tal tenham de reduzir as suas estruturas e as frotas, para que realmente trabalhem para aqueles clientes que lhes dão rentabilidade.

Uma das grandes realidades do sector é, também, a falta de motoristas habilitados a conduzir veículos pesados. Acha que com este novo CCTV se poderá aliciar mais pessoas a vir trabalhar para o sector?

Não tenho dúvida. Acho que, a curto prazo, só há duas realidades para atrair pessoas. Primeiro, dar outra actividade ao sector, dar condições de trabalho, dar uma visibilidade que o sector, ainda, não tem. Somos um sector que é o sustento de uma economia e, portanto, temos de valorizar quem nele trabalha. A outra é por condições financeiras, como é óbvio. Havendo dinheiro e melhores condições, com certeza que teremos mais pessoas no futuro.

Em 2016, a ANTRAM chegou a acordo com o Governo na questão do gasóleo profissional. Esta foi também uma grande conquista da direcção liderada por si?

Foi mais uma grande conquista. Se calhar este ano vamos ter de repensar tudo isto. Talvez tenhamos de pedir mais, perceber que o sector dos transportes, com estas revisões dos contratos de trabalho, aumentou a receita da segurança social em, talvez, 60 a 70 milhões de euros por ano. Não há muitos sectores a fazer isto e, portanto, o que é normal é que, quando estamos a gerar tanta receita, também haja algumas contrapartidas.

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A ANTRAM assinou este ano a revisão do Contrato Colectivo de Trabalho com todos os sindicatos de motoristas, a FECTRANS e a ANTP

 

Em finais de 2018 foi publicado uma Portaria que estabelecia descontos mais significativos para veículos afectos a empresas com sede e actividade em territórios de baixa densidade. Este foi um passo importante para estimular a actividade no interior do País?

Foi mais um passo. Percebemos que as empresas naquela zona têm uma capacidade de reter talento e de contratar pessoas que, se calhar, o litoral já não tem. O litoral tem uma agressividade laboral muito grande, as pessoas facilmente começam a trabalhar em diferentes áreas. No interior, isto não é tanto assim. Portanto, todas as empresas que se consigam estabelecer, que consigam fortalecer-se naquelas zonas, vão ter mais facilidade na contratação.

Que outras conquistas marcam estes anos de mandato na presidência da ANTRAM?

Há tanta coisa que nós fizemos, desde benefícios fiscais, a nossa reentrada na International Road Union (IRU), o apelo que fizemos no Parlamento Europeu. A ANTRAM foi a única associação europeia que foi ouvida para explicar o problema da dificuldade de motoristas e o futuro do nosso sector. Talvez seja por tudo isto que a ANTRAM tem a visibilidade pública que tem e o reconhecimento público, por ser uma associação forte e unida.

Falando da questão europeia, o que está a ser feito em relação a este sector?

Está a ser negociado um pacote de mobilidade e temos muita ambição que este venha a regular a agressividade dos países de Leste, com os baixos salários. Temos muita ambição de que as novas tecnologias, os tacógrafos digitais de nova geração com GPS integrado, venham ajudar à verificação legal de todas as empresas, à sua fiscalização.

Sendo nós um país limítrofe, temos sempre estas nossas dificuldades. A verdade é que hoje sofremos, por parte de empresas do Leste, de uma baixa de custo e de preço, por questões laborais e quanto mais aumentamos os nossos salários menos competitivos ficamos. Portanto, estamos bastante preocupados com aquilo que possa vir a sair do pacote de mobilidade. Um sector mais regulado será bom para todos e depois os mercados vão ajustar-se às necessidades e à regulação que venha a ser estabelecida.

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Gustavo Paulo Duarte, com Guilherme d’Oliveira Martins (Secretário de Estados das Infra-Estruturas até Fevereiro de 2019) e Nelson Sousa (vice-presidente da ANTRAM)

 

A direcção que esteve à frente da ANTRAM durante estes seis anos pareceu sempre muito unida. Como foi trabalhar com os restantes elementos desta equipa?

Foi interessante e divertido. Tivemos as nossas discussões, muitas das decisões tiveram de ser de braço no ar, mas isto faz parte de uma equipa que trabalha com um objectivo, que é fazer bem e isso foi aquilo que nos pautou. É óbvio que hoje temos uma amizade uns pelos outros, porque realmente passámos por momentos muito intensos, muitas dificuldades, grandes discussões, greves. Houve desafios, mas no final do dia havia sempre um espírito de companheirismo que nunca fez com que se quebrasse o nosso objectivo.

O que se espera da próxima equipa que assumir os comandos?

Quem vier tem de entender que o trabalho que foi feito é estratégico. Vai ser difícil, vai ser duro, mas se acreditarmos na estratégia e formos com ela até ao fim, as coisas acabam por correr bem. Se a próxima direcção vier com esta mentalidade, estaremos cá para apoiar. É óbvio que esta direcção não se vai aliar ou afastar definitivamente. Pelo contrário, vai continuar presente e tentar ajudar naquilo que puder. Se calhar as cadeiras mudam, as pessoas mudam, mas o importante é que a estratégia se mantenha.


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