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Filipe Pinheiro: “Temos de estar lá quando precisam de nós”

27 março 2020

Filipe Pinheiro é o presidente da direcção da Associação Profissionais ao Volante (APV), desde a sua fundação, em Dezembro de 2017. Interventivo, pede aos portugueses para terem confiança nos motoristas que estão na estrada e fê-lo através da entrevista que concedeu à Eurotransporte

Apesar de ainda jovem (35 anos), tal como a Associação que preside (apenas dois anos de existência), o nosso interlocutor, natural de Braga, mostrou ter ideias concretas e visão clara daquilo que deve ser a profissão de motorista. Também os deveres e direitos daqueles que hoje são chamados de heróis, a par de médicos, enfermeiros e elementos das forças de segurança, não se lhe escapam, deixando a opinião que, mesmo depois de debelada a crise que o Covid-19, nada será igual podendo existir a ideia de que o sector sofrerá alterações significativas mercê da quebra registada nas empresas transportadoras. Disso mesmo e de outras matérias, Filipe Pinheiro deu conta em entrevista que concedeu a Eurotransporte.

EUROTRANSPORTE: Temos vindo a assistir a várias associações congéneres da APV na Europa a participar em resoluções que visam o facilitar da vida dos motoristas profissionais de veículos pesados de mercadorias. Em Portugal o que é que a APV já protagonizou?

Filipe Pinheiro: A Associação Profissionais ao Volante nasceu com base no projecto dos Motoristas Lusitanos. A vertente social já é desde a base, preocupação e o pilar da associação que trabalha a solidão inerente à profissão e promove a entreajuda e o convívio dos profissionais ao volante.

Para a APV incidir apenas na vertente social, tornar-se-ia inútil, mesmo tendo a noção que esta é uma característica do estereótipo do motorista e da qual não nos desmarcamos.

Incidimos então, na criação de uma Associação que corrigisse algumas lacunas da classe e do sector. Baseamo-nos na formação, na informação e na procura incansável de parcerias e protocolos que desmarquem os profissionais do sector dos demais.

Que medidas já solicitaram à Tutela para este tempo de crise devido ao Covid-19?

O primeiro princípio da APV é ser uma instituição que sirva de ponte entre entidades patronais, profissionais e instituições que tutelam. Assim o provámos em reunião, na Feira dos Transportes, que se realizou em Braga. Foi a demonstração que a melhor forma de unirmos o sector será por este caminho, e todo o nosso trabalho e passa por mostrar o que está mal. Esta mensagem que fizemos passar nessa reunião, chegou ao destinatário. Todas as medidas agora tomadas, sabemos que tiveram influência na informação que conseguimos passar em Braga.

O lema da APV é "na estrada somos a sua família". O que é que isto quer dizer?

Registamos inúmeras situações diariamente, em que nunca será um número de emergência ou um número de assistência que vai resolver um obstáculo que o profissional se depara constantemente. Queremos garantir a cada motorista que circula nas estradas, que em qualquer situação ou dúvida, nós temos a resposta imediata e o apoio pronto necessário. Mas mais do que falar, posso enumerar as situações a que ocorremos que passam por traduções e interpretação linguística imediatas, apoio de esclarecimento de questões legais e laborais imediatas, até ao acolhimento de motoristas em habitações. Isto é o que significa ‘na estrada somos a sua família’. Temos de estar lá quando os profissionais necessitam de nós.

Em Portugal existem medidas que foram tomadas para aligeirar ou mesmo facilitar o dia-a-dia dos motoristas?

Se analisarmos as alterações do contrato colectivo de trabalho e, consequentemente a sua aplicabilidade, julgo não ter sido de todo uma prioridade nesta revisão, o aligeirar do dia a dia. Agora relativamente aos tempos de crise que atravessamos devido ao Convd-19, claro que o Governo anunciou medidas que são importantes e que vem ao encontro daquilo que podemos chamar de facilitar o trabalho diário.

Qual foi a intervenção da APV nesta matéria? 

A APV conjuntamente com a Fectrans, esteve no processo de negociação do contrato colectivo de trabalho e promoveu na Feira dos Transportes, sessões de plenário com participações da Antram e da Fectrans, onde conseguiram ter novas ideias, propostas e visões diferentes para a profissão de motorista. Aí a APV teve uma importância significativa na apresentação de propostas. Relativamente às medidas tomadas pelo Governo neste tempo de crise até pela urgência das mesmas, não tivemos tempo para participar uma vez que o Executivo as anunciou de imediato, como de resto era importante fazê-lo.

No entender da APV estão reunidas as condições para os motoristas continuarem o seu trabalho em segurança?

Se se refere às condições que o Governo fez anunciar para os transportes de mercadorias neste período de crise que atravessamos, entendemos que poderiam ter ido um pouco mais além. Contudo, não as criticamos. Relativamente às questões laborais, financeiramente a revisão teve alterações positivas para a maior parte dos profissionais e mesmo para o sector. Na questão da formação, penso que estamos ainda muito atrás do necessário para o que a profissão exige. Continuamos a ser uma profissão que subsiste pela paixão, não sendo, por isso mesmo, claro o seu futuro.

Não acha que se pode tornar perigoso, por exemplo, o aligeirar dos tempos de condução e descanso que a maior parte dos países da Europa estão a adoptar para que os camiões circulem o mais rápido possível, para que nada falte na cadeia de abastecimento?

Os motoristas estão habituados a reagir e enfrentar todo o tipo de alterações e exigências, não será por uma medida temporária que se irão expor ao perigo. Bem pelo contrário. Esta fase vai mostrar o ADN dos motoristas e importância deste na cadeia de distribuição e abastecimento às populações. Somos destemidos, mas muito conscientes por isso as alterações temporárias não vão deixar os profissionais desatentos à sua missão de condução.

Que medidas de protecção pessoal exigem, uma vez que já houve casos de motoristas infectados com o Covid-19?

Temos que ser claros nesta fase. Os motoristas são soldados da linha da frente nesta guerra. A continuidade do seu trabalho é fundamental para que tudo no Mundo funcione. Abastecimento alimentar, da saúde, combustíveis. Tudo trabalha na base da confiança de que os transportes não vão falhar. Todavia, cada motorista deve tomar todas as medidas de protecção, e seguir à risca o que as entidades de Saúde indicam. As empresas devem evitar o contacto com o motorista, mantendo-o mais seguro no seu espaço de trabalho de forma isolada. A maior medida de protecção tem que ver com o psicológico. Nunca tratem um motorista como alguém que transporta o vírus! Tratem-no como alguém que traz o que todos nós precisamos. Todos temos de ter confiança nos motoristas que estão na estrada, pois eles não vão desiludir o povo português.

O tempo, ou o prolongamento das medidas de contensão do vírus, podem ser um problema para os motoristas e as empresas?

Inevitavelmente vamos enfrentar uma nova realidade, completamente diferente daquela que experienciamos até ao momento. O número de cargas reduziu bruscamente, obrigando as empresas a reformular os quadros e até os serviços. Por não sabermos quanto tempo vai durar, não sabemos quantos profissionais vão aguentar se tiverem de suspender a actividade, assim como as empresas.

A partir daqui nada vai ser igual. Como prevê que seja o futuro dos motoristas profissionais?

Em Janeiro último questionavam quantas empresas aguentavam as alterações do CCTV e respectivo aumento brutal da carga fiscal. Era debatida a inoperância das entidades fiscalizadoras em fazer valer a aplicação do novo regulamento. Hoje, questiona-se quantas empresas estarão a trabalhar no fim desta fase e quantas empresas vão manter-se no activo para fornecer serviços às transportadoras.

Espero somente, que após a inevitável vitória do País nesta guerra, a classe dos motoristas seja lembrada e congratulada. Em 2018, em conjunto com a Paraform, criamos um modelo de formação prática que teve resultados fabulosos e um feedback acima do esperado. Esse modelo foi aprovado pela DGERT na sequência do projecto apresentado. A aplicação desse modelo, será um enorme passo na formação de um profissional mais capaz. O futuro tem de passar por aqui.

 


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