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António Martins: “Temos de acreditar nas soluções e não nos problemas”

03 junho 2020

Cita Richard Branson (“As oportunidades de negócio são como os autocarros. Está sempre outro a chegar”) e tem uma visão bastante global do sector aliada a um optimismo real de como tudo será depois de debelada a crise da COVID-19.

Reerguer a economia, acreditar nas soluções e não nos problemas é o que António Martins, Presidente Executivo da APAT, defende para a recuperação do país, entre outras medidas proferidas à Eurotransporte.

Com um peso significativo no sector dos transportes em Portugal, a Associação dos Transitários de Portugal, vulgarmente conhecida por APAT, é uma das maiores organizações nacionais do sector dos transportes, representando um vasto número de empresas que se dedicam à actividade transitária. Nesta altura de crise devido à propagação da COVID-19, a Eurotransporte foi ao encontro do Director Executivo desta organização, António Martins, que nos indicou o caminho rumo ao futuro dos transportes de mercadorias em Portugal.

EUROTRANSPORTE - Temos vindo a assistir a várias associações congéneres da APAT na Europa a participar em resoluções que visam o aligeirar do funcionamento dos profissionais do sector. Em Portugal o que é que a APAT já protagonizou nesta matéria?

ANTÓNIO MARTINS - A APAT tem actuado em duas frentes. Ou seja, temos participado activamente com as associações internacionais onde nos fazemos representar, nomeadamente a CLECAT e a FIATA, onde temos feito fazer chegar algumas das nossas preocupações de forma a podermos ter uma voz mais activa junto da UE. Já no que diz respeito ao Governo português fizemos chegar carta aos quatro ministérios que têm responsabilidades e mais impacto com a actividade transitária, nomeadamente Finanças, Economia, Trabalho e Infraestruturas.

Que medidas já solicitaram à Tutela?

A APAT reconhece que o Governo já tomou medidas difíceis, complicadas e mitigadoras da situação e algumas são muito coincidentes com as preconizadas pela Associação. Reconhecemos que outras ainda não tiveram acolhimento junto do Governo, que em nossa opinião são igualmente importantes e de ajuda às empresas e aos empresários.

Essas medidas foram reivindicações?

O objectivo da APAT não foi tanto reivindicar, mas indicar ou sugerir algumas medidas adicionais àquelas que o Governo decidiu numa primeira reacção e que, num primeiro momento, permitissem fazer chegar os bens e produtos de primeira necessidade a quem mais precisa deles.

Na opinião da APAT como é que os transitários vão sobreviver a esta crise?

Estamos perante circunstâncias completamente extraordinárias e diria mesmo excepcionalmente extraordinárias. Nunca, nem nos nossos piores sonhos, antevimos uma situação destas Tal como já referi, entendo que depois desta crise tudo será diferente. A maneira como vamos passar a viver, passar a consumir, passar a vender e acima de tudo como perspectivamos o futuro que havemos de ter. Numa altura em que a crise se instalou e toda a sociedade está igualmente a adaptar-se a esta nova realidade, é normal que as empresas transitárias tenham que fazer mudanças e adaptar processos. Cada empresa precisa de traçar um plano de acção para que consiga manter a sua actividade para quando tudo voltar a ser normal. É fundamental preparar as suas estruturas para as mudanças que se avizinham de modo a minimizar as possibilidades de crise futura e assim poder voltar ao normal.

Por outro lado, julgamos ser quase impossível perceber como vai ser o “dia seguinte”, no entanto para recuperar a economia nacional perspectivamos que terá de haver uma grande aposta na internacionalização, logo no transporte internacional de bens e é nesta matéria que o transitário é fundamental para a consecução desses negócios.

 Transitários (1)

As medidas anunciadas pelo Governo de apoio, servem aos transitários?

Julgamos que as medidas anunciadas servem todas empresas. Se são ou não suficientes, é outra questão. Os impactos desta crise serão dolorosos e agudos e a receita e medicação não deve ser igual para todas as empresas. Estas medidas do Governo obviamente que são um importante paliativo, mas entendemos que o que será importante será a injecção directa de capital, porque há empresas que irão ter dificuldades completamente extraordinárias e que se situam em toda a cadeia logística e por isso mesmo impõe-se a adopção de medidas especificas de mitigação dos tremendos efeitos negativos a que se vêem sujeitas, sob pena de estar em causa a sua sobrevivência. Se esta área de negócio não ficar saudável, Portugal poderá perder os parceiros certos para ajudar a reerguer a economia nacional.

Que outras medidas poderiam ser tomadas?

Para além das referidas, já identificámos 3 ou 4 que ainda não foram bem acolhidas pelo Governo. Note-se igualmente, que ainda aguardamos em relação ao sector dos Transportes, a emissão de regulamentação específica, designadamente, como resulta do Decreto n.º 2-A/2020, que ficou a cargo dos membros do Governo responsáveis pela área dos transportes, a determinação das condições em que o sector poderá operar. Nesta perspectiva temos ainda a ambição que as mesmas venham a ser consideradas e contempladas em futuras decisões governamentais.

Qual a intervenção nesta matéria da APAT?

A intervenção da APAT nestas matérias é fazer chegar estas preocupações ao Governo, depois colocar-se à disponibilidade para colaborar em tudo o que a tutela entender relevante. Este trabalho é mais silencioso, mas nesta altura queremos muito ajudar e acreditamos que o estamos a fazer bem feito e, isso também nos faz acreditar que conseguiremos ultrapassar esta situação.

A APAT e os Transitários têm bem a noção que são agentes económicos essenciais para as cadeias de abastecimento de bens e produtos que nunca podem falhar e, por isso mesmo, nós também não podemos falhar.

Prevê dificuldades sérias no sector ou as empresas estão a estruturar-se para sobreviver à crise?

Seria imprudente dizer que não prevemos dificuldades. Acreditamos que os nossos associados o estarão a fazer. Sempre foi uma área de intervenção muito complicada, muito exigente, flexível e muito dependente das tendências do mercado mundial.

É muito natural que depois de amanhã os padrões de consumo se alterem, assim como o lugar onde tudo se produz. É expectável que cada vez mais se assista a uma diminuição de quantidades por encomenda, mas também a um maior volume, ou seja encomendas menos consolidadas, mais pulverizadas, com mais quantidades e para mais clientes. Entendemos que as encomendas mais pequenas obrigam a uma maior consolidação e quanto maior for a consolidação mais competitivo será.

Nesta perspectiva resultará que as empresas têm de ter mais cuidado e maior racionalização de forma a reduzir os seus custos, ou seja, o trabalho vai no sentido de desenharmos soluções logísticas ainda mais sustentáveis.

Teme que existam despedimentos e encerramentos de empresas no sector após a crise pandémica?

O dinamismo da actividade transitária leva a que todos anos surjam ou fechem inúmeras empresas no sector. Vínhamos de um período de fusões, aquisições, parcerias e ampliação da área de cobertura, assim como diversificação, ou seja, de crescimento. Talvez os primeiros tempos, sejam mais difíceis e talvez por reacção ou por receio se verifiquem alguns despedimentos e encerramentos, mas como dizia Richard Branson, “As oportunidades de negócio são como os autocarros. Está sempre outro a chegar”. O entusiasmo e empreendedorismo que caracteriza o transitário ajuda a ultrapassar as dificuldades. A nossa actividade obriga sempre a correr riscos, sabemos os que não podemos correr, mas também sabemos aqueles que não podemos deixar de os correr.

António Martins (1)

A registarem-se, que medidas de protecção a APAT exige do elenco governativo?

Honestamente não acreditamos que irão haver medidas de protecção, até porque do ponto de vista legal não deverá ser possível. Por norma o proteccionismo não é bom para o comércio livre. Entendemos sim e fica clara a necessidade de apoiar incondicionalmente quem assegura os bens necessários onde eles são efectivamente necessários e na medida certa. Logo é entendimento da APAT que tem de se olhar para os players da cadeia logística como fundamentais, pelo que é sempre importante pensar estrategicamente.

Estamos ou vamos estar num ambiente economicamente muito agressivo e a haver intervenção do Estado, talvez seja determinante no sentido de articular melhor todos os Operadores de forma a encontrar a melhor “solução Logística” na transacção e escoamento de bens.

A banca pode ter aqui uma intervenção importante? Este é um momento crítico para o nosso País e nenhum de nós se deve demitir da obrigação de exigir soluções simples sem grandes investimentos e recusar grandes receitas com grandes investimentos, porque tendencialmente ninguém dá nada a ninguém.

Pelo que ouvimos dizer e vamos vendo todo o dinheiro que a banca colocará à disposição de todos, vai ter de se pagar. É verdade que pode ser diluído em mais ou menos tempo, mas nada será grátis. Se a banca tiver vontade de ajudar, ser relevante e realmente importante obviamente que a sua intervenção será muito importante.

A partir desta luta pela sobrevivência pessoal, surgirá a de carácter empresarial. O sector está preparado para mais uma batalha?

Sabe que a vida é como andar de bicicleta. Depois de se aprender nunca mais se esquece e para se ter equilíbrio é preciso estar em movimento. Esta é uma imagem que reflecte bem o que os transitários já passaram.

O sector não vai acabar, antes pelo contrário até penso que poderá ganhar novas dinâmicas, pelo que não antevemos “batalhas” pelo menos por esta razão. Naturalmente iremos assistir ao desenhar de novas estratégias para conquistar os mercados que se perderam. Esta será a altura ideal para saber o que fazer, perceber que oportunidades surgirão e preparar as organizações para esse futuro. A actividade económica é uma prática social e não uma acção realizada por indivíduos isolados, acreditamos que teremos tempo para voltar a encontrar clientes, parceiros, fornecedores e amigos e não adversários como se de uma “batalha” se tratasse.

Transitários (2)

 

Leia o Nº115 da Revista Eurotransporte AQUI


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