"Portugal tem de reduzir as emissões ambientais até 2030"

08 julho 2020

João Filipe Jesus é o Director-geral da Dourogás Natural, empresa do grupo Dourogás SGPS, que gere o negócio e os activos que exploram a mobilidade a gás natural.

dourogas2

Totalmente conhecedor do meio onde se movimenta, o nosso interlocutor, em entrevista à Eurotransporte, referiu não ter dúvidas de que a mobilidade a gás natural está a ganhar o seu espaço e a registar um crescimento sustentado, como demonstra, por exemplo, a aposta ganha no transporte público.

Também os principais corredores nacionais de abastecimento permitem, hoje, que o transporte de pesados de mercadorias, a partir das estações de GNV em Portugal, percorram o mercado europeu sem problema. Em suma, é o Gás Natural a ganhar o seu espaço com a consistência da Dourogás Natural a acompanhar o desenvolvimento.

EUROTRANSPORTE - Qual é a filosofia da Dourogás para o negócio do Gás Natural?

JOÃO FILIPE JESUS - O Grupo Dourogás tem uma matriz essencialmente gasista que advém da sua vocação inicial em levar o gás natural, enquanto fonte energética mais limpa e mais competitiva, aos territórios que inicialmente estavam excluídos dos planos de investimento ao nível da rede de gasodutos. Hoje, enquanto distribuidor, o Grupo Dourogás está presente em 34 concelhos explorando uma rede de distribuição de mais de 600 km, que teve como mérito principal alavancar o desenvolvimento regional desses territórios, reduzindo as assimetrias face ao Litoral. Acreditamos que o futuro não vai ser totalmente eléctrico e isso abre um conjunto de oportunidades para promover o caminho da sustentabilidade, designadamente ao nível dos gases renováveis, quer os que podem ser produzidos a partir de recursos endógenos, como o hidrogénio, quer aqueles que resultam da valorização e aproveitamento de matéria orgânica como é o caso do biometano.

A aplicação do gás natural na mobilidade continua a ser a prioridade do Grupo Dourogás?

O Grupo Dourogás é líder nacional, quer em quota de mercado, quer na dimensão da rede de postos de abastecimento de Gás Natural Veicular (GNV). Iniciámos esta trajectória em 2012/2013 e hoje, volvidos estes anos, acreditamos que demos um impulso considerável ao conceito da mobilidade sustentável no nosso País. Dentro de algumas semanas, concluiremos os investimentos projectados no quadro de um consórcio europeu que em 2016 começámos a desenhar e que se denomina Eco-Gate, e assim teremos uma dúzia de pontos de abastecimento que asseguram já uma cobertura considerável do território nacional, tanto no capítulo do transporte de médio e longo curso de mercadorias, como ao nível da distribuição mais capilar nas principais áreas metropolitanas.

A Empresa está mais direccionada para os veículos pesados (acima das 16T) de mercadorias. Essa é a prioridade?

Estamos essencialmente virados para o mercado onde a tecnologia existente ao dia de hoje, de uma forma realista e pragmática, permite que o gás natural constitua uma resposta afirmativa em termos de economia de custos para as famílias e para as empresas, enquanto constitui uma alternativa menos poluente face aos combustíveis derivados do petróleo. Naturalmente, temos apostado numa agenda mais virada para os pesados de mercadorias, que por força das circunstâncias, é onde a dimensão dos ganhos económicos atinge maior relevância, mas assistimos hoje à emergência de apontamentos muito interessantes, ao nível, por exemplo, da mobilidade nos ligeiros movidos a gás natural comprimido, com os quais é hoje possível, por exemplo, fazer o trajecto Lisboa-Porto com pouco mais de 10€ de combustível. Isto é impensável quando pensamos nas alternativas tradicionais baseadas no petróleo.

Os comerciais ligeiros, tipo furgão de mercadorias, estão fora do objectivo da empresa ou também entram em cena?

Se existe virtude na tecnologia da mobilidade a gás natural, é o espectro alargado de alternativas que podem ser cobertas pela GNV. Desde os ligeiros, aos utilitários de mercadorias até 3,5ton, passando pelas gamas intermédias até às 16 toneladas, até aos pesados de 40 toneladas.

Contamos hoje com um conjunto de operações de distribuição, suportadas na nossa rede de abastecimento, nestas gamas de veículos, que operam em vários domínios de actividade, designadamente na distribuição para o canal Horeca.

Foto Elvas Eco gate

O parque automóvel pesado de mercadorias a gás natural em Portugal está a aumentar?

No ano de 2019, o número de viaturas a gás natural no mercado português praticamente duplicou, com um crescimento homólogo de 91%, para 752 unidades triplicando inclusivamente os valores de 2017. Em 2020, a tendência manteve-se durante os primeiros meses, esperando-se agora uma retoma moderada, em virtude do estado de emergência associado à pandemia que assolou Portugal e no Mundo.

Já na nossa vizinha Espanha o crescimento o ano passado foi de mais de 60% para um total de mais de 22 mil viaturas. Acreditamos, que em Portugal existe ainda um território fértil para a expansão do parque de viaturas movidas a gás natural.

No seu entender é possível percorrer os principais corredores da Europa com gás natural líquido?

Sem dúvida alguma. Aliás, temos hoje clientes que servem, a partir das nossas estações de GNV em Portugal, mercados como o alemão, italiano, suíço ou mesmo escandinavo. A recente decisão política do Governo alemão em isentar as portagens para as viaturas a gás natural (tanto puregas, como dual-fuel), veio dar um estímulo adicional a algo que, actualmente, é perfeitamente fazível, dada a existência de uma rede disseminada de pontos de abastecimento, quer da existência de motorizações com autonomias a rondar os 1500 quilómetros.

A rede que existe é já suficiente para atrair empresas e particulares a adquirir veículos a gás natural?

Seguramente que sim, os principais corredores nacionais ao nível do transporte de mercadorias estão hoje cobertos, quer nos perímetros das grandes áreas de geração logística, quer nos principais pontos de interface ao nível dos corredores que dão acesso à Europa.

Atribui este crescimento só às preocupações ambientais, ou a parte fi nanceira também entra na decisão? Como vai o Grupo Dourogás posicionar-se para enfrentar os desafios da cada vez maior necessidade de neutralidade carbónica no sector dos transportes?

Nenhuma solução é sustentável no longo prazo, se a mesma não assegurar uma cobertura plena das suas dimensões. Vivemos hoje num mundo cada vez mais exigente no que respeita às preocupações ambientais. Aliás, o Plano Nacional de Energia e Clima para 2030, aponta uma meta de penetração de energias limpas de 20% no transporte.

Paralelamente, temos vindo a assistir a uma crescente densidade legislativa no sentido de estimular a redução da intensidade carbónica na mobilidade, a par da criação de condições para a implementação de infraestruturas de fornecimento de combustíveis alternativos. É neste quadro desafiante que temos vindo a promover um conjunto de projectos e investimentos na área dos gases renováveis, concretamente com a produção de biometano a partir da purificação de biogás resultante da valorização de matéria orgânica (lixos). Estamos, e vamos querer estar no futuro, na vanguarda da descarbonização dos transportes e na liderança de uma agenda verde, em linha.

A mobilidade em termos de transporte público é um dos sectores com mais visibilidade com veículos a gás natural. Esta foi uma aposta ganha ou ainda há muito a fazer?

Foi em definitivo uma aposta ganha. Comparar a qualidade do ar e as emissões poluentes nas cidades de Lisboa e Porto, que apostaram numa rede de transporte público com recurso a autocarros a gás natural, entre o contexto actual e a realidade de há uma dúzia de anos, é algo que é simplesmente incomparável. Foi igualmente uma aposta ganha em termos económicos, daí que acreditemos, de forma convicta, que os novos dossiers de concessão de transporte público urbano e interurbano possam vir a constituir uma nova oportunidade para o gás natural.

O uso do gás natural contribui para a redução das emissões de gases com efeito estufa. Isso por si só não bastaria para se apostar cada vez mais neste tipo de combustível?

A meta é particularmente clara: Portugal vai ter de reduzir as emissões de gases geradores de efeitos de estufa entre 45% a 55% em 2030, face aos valores de 2005, e sendo o sector dos transportes responsável por mais de um terço destas emissões, é natural que o mesmo vá estar particularmente exposto a uma necessidade imperiosa de mudança de paradigma. Uma das virtudes da tecnologia dos veículos movidos a gás natural e das redes de comercialização e distribuição do gás natural convencional, é que podem de forma tecnologicamente tranquila, fazer o upgrade para a utilização de gases renováveis como o biometano, o que a prazo, não só contribui para uma maior neutralidade carbónica, como permite reduzir a dependência energética do país face ao exterior. Porquanto, é claro que existe um potencial de recursos, nomeadamente ao nível da biomassa orgânica, que podem ser valorizados e utilizados como combustível. São soluções inadiáveis, que de resto encontram já enquadramento legal, quer na moldura regulamentar a nível europeu, quer no próprio Quadro de Acção Nacional para o desenvolvimento dos combustíveis alternativos.


Tags

Recomendamos Também

Revista
Assinaturas
Faça uma assinatura da revista EUROTRANSPORTE. Não perca nenhuma edição, e receba-a comodamente na usa casa ou no seu emprego.