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"Conseguimos garantir a subsistência das empresas"

06 dezembro 2020

Luís Cabaço Martins, é o principal rosto da ANTROP - Associação Nacional de Transportadores Rodoviários de Pesados de Passageiros e concedeu uma entrevista à Eurotransporte onde escalpeliza o transporte público nacional.

Luis Cabaço Martins

Em Abril foi novamente reconduzido na presidência da ANTROP, para aquele que é o seu sexto mandato. O que o levou a avançar para um novo mandato?

Fundamentalmente o sentido de responsabilidade e a convicção de que posso ainda ser útil na condução dos destinos da Associação, que ainda posso ser uma mais valia para a ANTROP. De outro modo, não me recandidataria ao cargo. Por outro lado, face às mudanças estruturais que o sector vive, foi entendido que seria importante que a ANTROP tivesse uma liderança com experiência e com um bom conhecimento do sector.

Quais os principais desafios que o sector do transporte público rodoviário de passageiros irá enfrentar nos próximos anos?

O desafio principal tem que ver com a mudança de paradigma no sector dos transportes de passageiros em Portugal, em particular no serviço público, com as alterações legislativas operadas, que vieram determinar o fim do regime das concessões de renovação automática e a passagem para os concursos públicos. Esta alteração põe em causa a organização dos transportes de passageiros que prevalecia há larguíssimas décadas, e que obriga a profundas alterações organizacionais e de gestão das empresas de transporte.

Este sector foi um dos mais afectados pela crise decorrente da pandemia COVID-19. A inexistência de passageiros levou a uma queda abrupta na facturação das empresas. Qual o “real” impacto desta crise no sector? Houve despedimentos e falências de empresas? O transporte público rodoviário de passageiros esteve em risco?

Efectivamente, o sector dos transportes foi um dos mais afectados pelos efeitos da pandemia, exactamente por força do longo confinamento social que ela implicou, e que, em parte, ainda se verifica. O sector perdeu em cerca de 4 meses mais de 125 milhões de euros em receitas, cerca de 70% das suas receitas normais. Só não houve despedimentos porque foi possível usar o mecanismo lay off, que reduziu significativamente os custos com o pessoal que ficou desocupado, e porque foram encontrados alguns mecanismos financeiros para compensar cerca de 25% da receita perdida. Nessa medida, e nestes primeiros meses, podemos dizer que o sector não esteve em risco. Vamos ver que soluções são encontradas no próximo futuro.

Como é que os associados da ANTROP lidaram com esta crise?

Com muita dificuldade e apreensão, uma vez que, caso não seja assumida uma política de apoio ao sector empresarial, face aos efeitos devastadores que esta pandemia provocou na nossa economia, as empresas poderão ter de fechar.

Na sua opinião, o Governo e as Autoridades de Transporte fizeram tudo o que estava ao seu alcance para ajudar as empresas do sector?

A ANTROP conseguiu negociar com o Governo a adopção de um conjunto de medidas que vieram atenuar as perdas das receitas dos operadores. Para além da utilização do lay off simplificado e das moratórias fiscais e outros mecanismos, o sector garantiu um financiamento do serviço público essencial, através da afectação das verbas do PART, passes 4_18, sub23 e social+, assim como do novo programa de combate à desertificação do interior, o PROTransP. Mais recentemente, no âmbito do Orçamento Suplementar, foi aprovada uma verba adicional para reforçar o PART e o PROTransP para que seja possível aumentar a oferta de transporte público. Existem também indicações claras do Governo no sentido da utilização, por parte dos municípios da totalidade das verbas do transporte escolar, independentemente do número de passes vendidos. Face a este acordo foi possível garantir a subsistência de todas as empresas e reduzir o número de trabalhadores em lay off. Convirá dizer, no entanto, que uma boa parte da facturação das nossas empresas é garantida através dos serviços comerciais e turismo, e este está completamente parado. Há que encontrar soluções para este segmento de actividade.

Os planos de contingência que todas as empresas implementaram foram os mais indicados! Enquanto representante do sector, a ANTROP teve alguma influência na definição desses planos junto dos seus associados?

Numa situação nova como esta, pela qual ninguém tinha passado, ainda é muito difícil fazer tudo bem à primeira. Mas reconheço que foi feito um excelente trabalho por parte das empresas na definição dos planos de contingência. A ANTROP naturalmente acompanhou todo o processo.

Entrámos recentemente na última fase do período de desconfinamento. As empresas irão retomar a oferta que existia antes da COVID-19 ou prevê a existência de profundas alterações, nomeadamente fora das duas grandes Áreas Metropolitanas, de Lisboa e Porto?

A retoma da oferta está a ser gradual, em face das respostas e dos sinais que a população nos vai dando em cada momento e em cada uma das regiões do país. Os planos de oferta estão a ser negociados pelos operadores de transporte directamente com as Autoridades de Transporte, isto é, CIM’s e áreas metropolitanas de Lisboa e Porto.

E há diferenças profundas entre elas, naturalmente.

Há regiões do País em risco de ficar sem transporte público rodoviário, decorrente da situação económico-financeira das empresas?

Se continuarem a ser encontradas soluções adequadas para garantir a prestação do serviço de transporte às populações e que ao mesmo tempo permitam a subsistência dos operadores de transporte, conseguiremos passar esta crise preservando o tecido económico e o emprego. Caso não haja vontade política para o efeito poderão estar em causa muitas empresas deste sector.

Nos últimos anos temos assistido a uma evolução positiva da procura nos transportes públicos. No último ano, muito por culpa da entrada em vigor do PART, essa procura acentuou-se ainda mais. Como é que se recuperam novamente os passageiros para o transporte público?

Recuperaremos os passageiros se conseguirmos dar uma resposta positiva às necessidades de mobilidade das populações e se transmitirmos confiança e segurança às pessoas. Tem havido por parte de muitos sectores da vida nacional um discurso muito alarmista, sem fundamentos técnicos, relativamente aos riscos da utilização do transporte público. Teremos de fazer um esforço no sentido do reforço da oferta e, ao mesmo tempo, tranquilizar os utilizadores. Só assim conseguiremos recuperar os nossos passageiros. No entanto, penso que, muito provavelmente, não conseguiremos recuperá-los a 100% devido à realidade do teletrabalho que, em Portugal, teve um crescimento assinalável.

Acredita que derivado da pandemia e do perigo de contágio, muitos dos passageiros irão voltar para o transporte individual?

Penso que o grande inimigo do transporte público, para além do teletrabalho, é o receio na sua utilização.

As Autoridades de Transporte correm o risco de verem os seus concursos vazios, devido à situação das empresas. Que consequências poderão advir para o sector e para as pessoas desta possível situação?

Durante estes três meses, continuaram a decorrer os concursos e processos de contratualização dos serviços de transporte público de passageiros que tinham sido lançados pelas diversas Autoridades de Transportes.

Na opinião da ANTROP, estes processos deveriam ter sido cancelados ou suspensos, uma vez que a realidade actual (social, económica, financeira) é totalmente diferente daquela que era antes da pandemia?

Como é que a ANTROP e os seus associados classificam os concursos já lançados, nomeadamente para as Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto?

A realidade do país é, de facto, muito diferente da que tínhamos antes da pandemia. A ANTROP, até à data, não tomou posição formal sobre a questão dos concursos, deixando para os operadores de transporte essa ponderação, mas não exclui que no futuro possa tomar posição sobre a matéria.

Como tem sido a relação da ANTROP com a AML e a AMP?

A relação institucional da ANTROP com a AML, AMP e demais autoridades de Transporte corresponde aquilo que deverá ser, isto é, correcta, leal, aberta e transparente. Devo dizer que a postura das partes tem proporcionado um excelente clima, que permitiu a resolução de um conjunto muito significativo de situações, designadamente no âmbito da difícil gestão da mobilidade em tempos de pandemia. O mesmo podemos dizer relativamente ao relacionamento institucional com a AMT, que tem sido excelente.

In Eurotransporte n.º 117


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