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«Temos centenas de autocarros preparados e disponíveis»

12 outubro 2021

Entrevista com Rui Lopes, Presidente da Associação Rodoviária de Transportadores de Pesados de Passageiros (ARP).

A Associação Rodoviária de Transportadores de Pesados de Passageiros (ARP) nunca virou a cara à luta em período de pandemia e, apesar das empresas suas filiadas terem visto os seus rendimentos baixarem ou mesmo terminarem, a resiliência foi a palavra de ordem e hoje, com a liderança de Rui Lopes, trilha caminhos que podem levar o sector a regressar em pleno ao activo, assim a pandemia e o país o permitam.

Licenciado em Turismo, Rui Lopes regressou à liderança da Associação Rodoviária de Transportadores de Pesados de Passageiros, depois de ter cumprido dois mandatos, o máximo que um presidente pode estar à frente dos destinos da ARP. Com ideias concretas e perfeitamente enquadradas no sector, Rui Lopes é o homem certo no lugar certo.

EUROTRANSPORTE - Há quanto tempo está à frente da ARP?
RUI LOPES - Entre 2006 e 2011 cumpri dois mandatos de dois anos cada. Com o aparecimento da pandemia em 2020 - que foi um ano muito complicado para os transportes ocasionais, que não tiveram os apoios que os transportes regulares conseguiram obter - acabei por regressar. Mas foi quase por obrigação. Houve muitas convulsões e reclamações, algumas inflamadas pelas redes sociais e como presidente da Mesa da Assembleia Geral, senti que a Associação não poderia deixar de existir ou ser gerida por uma comissão. As redes sociais retiram muito a capacidade às pessoas de serem pacientes e esperarem que os objectivos se atinjam, uma vez que funcionam no imediato. Na ARP temos vindo a gerir o esforço e a saber utilizar os picos de energia para alcançarmos os objectivos. Ora as redes sociais são tudo menos uma maratona, são isso sim uma prova de 100 metros a descer, qualquer barreira que surja aparecem logo muitas pessoas a dizer que tem soluções para tudo, mas que depois não têm nenhuma.

Quer dizer que apareceram muitas palavras, mas poucos actos e então teve de agir?
Mais ou menos isso. 2020 foi um ano bastante complicado no qual se registaram, para além da pandemia, alguns períodos de tensão entre a anterior Direcção e grupos de contestatários que surgiram nomeadamente nas redes sociais. O certo é que, chegados ao final de 2020 a ARP entra no período eleitoral normal e, curiosamente, apesar dos muitos contestatários, ninguém apareceu a candidatar-se à liderança da associação. Como presidente da Mesa da Assembleia Geral convoquei novo acto eleitoral convencido de que os contestatários poderiam apresentar-se a votos, mas realmente voltou a não aparecer ninguém. Convoquei terceiro acto eleitoral, onde um associado me desafiou a ser candidato e assim o fiz cumprindo com a minha palavra dada antes da convocação, de que eu mesmo assumiria uma candidatura. E foi assim que aconteceu.

Mas quando foi a votos chegou a aparecer outra lista…!
Curiosamente no quarto acto eleitoral, apareceu mais um candidato, o que foi fantástico porque levou a uma discussão salutar interna que levou cerca de 90% dos associados da ARP a comparecer ao acto eleitoral, numa demonstração de vitalidade, vontade e compreensão dos associados. Ganhámos, apresentando um projecto que vai demorar seis anos a ser implementado e que vai para além do meu mandato, mas estou confiante de que quem me suceder o irá prosseguir.

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Com que apoios conta para ultrapassar as dificuldades do sector?
Durante o período difícil que ainda atravessamos, não tivemos apoios. Para se conseguirem apoios tivemos de ir bater a muitas portas, fazer muitas demonstrações de como a crise afectou este sector. A pandemia parou tudo. Hoje podemos ir ao restaurante comer, já começamos a ir com a família a alguns espectáculos retomando alguns dos bons hábitos, ainda que com algumas restrições, mas estamos a voltar. O problema é que nenhum de nós vai passear de autocarro, porque isso implica grupos, ajuntamentos, maior organização mas a nossa sociedade ainda está muito reticente a estas questões devido à pandemia. Fomos os primeiros a parar porque o turismo em inícios de Março de 2020 caiu para níveis perto do zero. O nosso trabalho é o mercado sazonal, regularmente de Março a Outubro. Entre Novembro e Fevereiro, este mercado pára. Há uma diminuição no ocasional puro na ordem dos 80 a 90%.
O sector do transporte ocasional parou em Novembro de 2019 e quanto se estava a preparar para recomeçar, com as empresas a adquirirem os autocarros para começar a nova época, tudo acabou por não se concretizar e o país fechou. Com um sector parado há praticamente dois anos, tudo ficou mais difícil, implicando um grande esforço financeiro por parte das empresas que não tiveram nenhum apoio.

O que é que a ARP e as empresas fizeram, entretanto?
Assim que a Direcção tomou posse, iniciamos rapidamente conversações com o Governo onde notamos uma abertura fantástica por parte das Secretarias Gerais do Turismo e da Mobilidade, que continuam a atravessar o caminho connosco e que começa a dar os seus frutos. Como primeira vitória, vimos autocarros do transporte ocacional a ser integrados no Turismo. Ora com esta nova situação, o leque de apoios alargou beneficiando as nossas empresas de programas de apoios específicos que estavam apenas ao alcance do Turismo.

Pode então dizer-se que acabaram por alcançar o objectivo dos associados que era passar a estar inseridos no Turismo?
Foi uma conversação franca, muito profissional com a Secretaria de Estado do Turismo que desde o primeiro momento se mostrou disponível para tentar resolver o problema. A ARP representa no momento cerca de 2000 autocarros e tem qualquer coisa como 2500 colaboradores. Em 2020 temos a noção que cerca de 20% da massa laboral saiu do sector uma vez que as empresas estão paradas e o rendimento ligado aos turistas diminuiu drasticamente.
O salário base dos motoristas, em tempo de pandemia, foi reduzido na ordem dos 70% o que não chega para sobreviver. Ao ver o seu rendimento suprimido, muitos motoristas foram para a carga, sector que esteve sempre em actividade e que começou a ter necessidade de empregar profissionais.

E espera que regressem?
Vai ser difícil, o sector de mercadorias começou a ser melhor remunerado, as pessoas acabam por aderir e ficar. Vamos ver como decorre a retoma, também nesta vertente dos motoristas. As empresas hibernaram desde Novembro do ano passado e continuam nesse processo. As moratórias permitiram suspender o pagamento de muitos dos leasing referente aos autocarros e aqui é preciso ter uma atenção muito especial, porque os autocarros não são uma mina de ouro. Bem pelo contrário, são um negócio muito relativo. Se excluirmos duas ou três grandes empresas que operam em Portugal, tudo o resto é alicerçado em empresas de cariz familiar. O turismo em Portugal nos últimos 10 anos triplicou e isto levou a que houvesse investimentos sustentados na procura, nomeadamente na compra de autocarros novos, mais evoluídos tecnologicamente e mais amigos do ambiente, oferecendo outras condições aos turistas e isto veio contribuir para um maior endividamento das empresas. De um momento para o outro, surge a pandemia e tudo mudou. Um autocarro novo em números redondos custa cerca de 250 mil euros, mais IVA e para se pagar a ele próprio leva qualquer coisa como seis a sete anos a trabalhar regularmente.

Qual é o valor de aluguer de um autocarro?
Portugal é dos países da Europa, senão o país onde é mais barato alugar um autocarro. Se formos a França, Alemanha ou mesmo a Espanha, um autocarro para fazer o mesmo serviço que em Portugal, custa duas a três vezes mais. É certo que sabemos que a economia nesses países é superior à portuguesa, assim como os salários, mas o preço do material circulante é basicamente o mesmo. Mas por incrível que pareça se analisarmos países cujas economias são menos pujantes relativamente à nossa, como os países do antigo bloco de Leste, também aí o preço do aluguer do autocarro é superior e, note-se, os colaboradores não ganham mais relativamente aos portugueses. Quer isto dizer que ainda há no nosso mercado uma diferença entre o investimento e os custos operacionais que continua a ser significativa.

As moratórias vão terminar em Setembro. Como vai ser?
Temos, em conjunto com o Governo, de encontrar soluções para que as empresas possam respirar neste início de pós-pandemia para depois poderem pagar os seus créditos a 100%. É urgente que se encontre um mecanismo que permita transpor o início do pagamento dos créditos de Setembro de 2021 para o mesmo mês de 2022. Só assim as empresas podem reiniciar a sua actividade. Temos propostas neste sentido, estamos a discuti-las com a Associação Portuguesa de Bancos e com o Ministério da Economia. Já percebemos que os mecanismos tardam em existir, mas que há vontade de todas as partes para se criarem novas ajudas.

Mas com a retoma, as coisas podem alterar-se para melhor?
Pensar-se que os autocarros vão trabalhar de forma normal ainda em 2021, é uma utopia. Isso não vai existir. Iniciar o pagamento dos créditos dos autocarros e pagar regularmente ao pessoal numa altura em que as empresas ainda não estão a facturar, é acabar com o sector. Nem para o ano existirão condições ideais para que as empresas possam desenvolver o seu trabalho, muito embora o próximo ano possa mostrar a luz ao fundo do túnel. As empresas querem honrar os seus compromissos, mas todos temos de ter condições para o fazer e isso só é possível com as empresas a trabalhar, caso contrário vamos ter filas de autocarros à porta dos bancos com os proprietários a entregarem as chaves dos mesmos.

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Com as limitações em termos de pessoas a transportar alteradas, as empresas não poderão começar a ter uma esperança?
É um facto. Os dois terços de utilização em transporte não serviam o serviço ocasional. Ora felizmente que isso terminou. O autocarro de turismo não é propriamente um veículo de transporte público que em cada paragem entram e saem passageiros. No turismo a limitação de lotação nunca fez sentido. As pessoas entram, sentam-se, saem e entram todas ao mesmo tempo, estando perfeitamente identificadas e sentadas todas viradas no mesmo sentido. A interacção entre as pessoas é muito menor o que faz com que exista mais segurança e respeito pelas regras. Hoje isso está ultrapassado e temos já os 100% de pessoas sentadas. Foi fruto de muito trabalho que lavamos a cabo nos últimos dois meses.

Qual é a relação entre a ARP e as áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto?
Boa e má. Com a AML a nossa relação tem funcionado bem. Houve mesmo um reforço aos transportes da CP em Janeiro e Fevereiro que correu muito bem, tendo a AML disponibilizado a verba recebida do Governo para reforço de carreiras. Já no Porto, infelizmente as coisas não decorreram da melhor forma, uma vez que a AMP não canalizou as verbas recebidas para o transporte ocasional. Houve uma excelente tentativa do Secretário de Estado da Mobilidade em nos poder ajudar através do serviço efectivo e necessário, reforçando o serviço público, mas infelizmente no Porto a área metropolitana limpou-se de qualquer responsabilidade em colocar os autocarros ocasionais ao serviço, entregando essa tarefa a STCP, com a justificação que o serviço tinha de ser efectuado por autocarros com bilhética “Andante”. Curiosamente em Maio, quando se começou a trabalhar, para nosso espanto, vimos autocarros de turismo de empresas que não são nossas associadas, a fazer o serviço. A bilhética foi a desculpa para a AMP, sem fugir à Lei, fazer o que quis com o dinheiro que estava previsto para apoiar as empresas de autocarros de turismo.

E as empresas que a Associação representa, estavam disponíveis para colaborar no transporte público se fossem chamadas a isso?
Estavam e estão, sem qualquer dúvida. A empresas tem as suas frotas totalmente disponíveis para ajudar no reforço do transporte público se assim o Governo ou as Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto, o entenderem. Temos centenas de autocarros preparados e disponíveis. Por outro lado, todos estamos preparados para, quando a pandemia terminar, voltar ao nosso normal, com as empresas a honrar os seus compromissos financeiros e contratuais na sua plenitude, disso tenho a certeza absoluta.


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