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“A Carris Metropolitana é um desafio imenso”

15 fevereiro 2022

Faustino Gomes, Presidente do Conselho de Administração Executivo da Transportes Metropolitanos de Lisboa esteve à conversa com a EUROTRANSPORTE. Leia a entrevista publicada originalmente na edição n.º 125.

Faustino Gomes falou sobre o ponto de situação da implementação do novo operador de transporte público rodoviário da região, bem como os desafios adjacentes a esta transição.

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Começa-se a ouvir falar da TML, mas nem todos sabem exatamente o que é. Pode ajudar-nos a conhecer a TML?
A TML, Transportes Metropolitanos de Lisboa, é uma empresa integralmente detida pela Área Metropolitana de Lisboa (AML), criada para dar corpo ao desafio da mobilidade e dos transportes nesta grande região. Tem 3 pilares de atuação: é a autoridade de transportes por delegação e subdelegação da AML, é a entidade responsável pelo sistema de bilhética de toda a AML e é responsável pela gestão da Carris Metropolitana, um novo operador de transporte público rodoviário que assegurará, através de contratos de prestação de serviço, toda a oferta intermunicipal e a oferta municipal de 15 dos 18 municípios. As exceções são as operações municipais de Barreiro, Cascais e Lisboa. Naturalmente que as nossas atribuições não se esgotam nestes 3 pilares, quer respondendo a todas as outras atribuições que decorrem da nossa criação, mas também porque a TML pretende ser uma empresa dinâmica, com respostas rápidas à evolução das tendências e atenta à inovação, o que implica praticar uma lógica de melhoria contínua.

O que se pode esperar da Carris Metropolitana (CM)?
A CM está numa fase ainda pouco visível, mas o tempo já está a contar. Os contratos com os operadores responsáveis pelos 4 lotes em que foi dividido o território da AML já estão assinados e estão a decorrer os 10 meses contratuais para a entrada em operação, o que ocorrerá a 1 de julho de 2022.
Com a CM pode esperar-se um crescimento de mais de 30% da oferta rodoviária atual, consubstanciado em novas linhas e reformulação de linhas existentes, representando uma maior cobertura territorial, mais frequências diárias onde ela hoje é insuficiente e uma maior abrangência temporal, nomeadamente com mais circulações fora dos períodos de ponta e dias de fim de semana. Estamos a trabalhar diretamente com os municípios e com os operadores para que esta nova oferta responda melhor às necessidades do passageiro.
Também na frota há uma grande aposta na utilização de veículos mais amigos do ambiente, com uma idade média inferior a um ano e contratualmente mais de 5% de frota elétrica, a hidrogénio ou a gás natural. Aliás, refira-se que estamos a trabalhar juntamente com os futuros prestadores de serviço a possibilidade de sermos ainda mais ambiciosos nesta oferta de frota, por forma a reduzir mais a nossa pegada ecológica.

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Como é que se gere a CM?
A CM é uma das missões da TML, mas que pela sua dimensão, tenderá a ser confundida com a própria TML. De facto, a CM é um desafio imenso. Desde logo, apresentar uma imagem única e una, o que implica trabalhar aspetos que vão desde a escolha dos tecidos para os bancos dos autocarros, passando pelo fardamento, pela uniformização da informação ao público, por trazer alguma coerência às paragens, entre muitos outros.

Quando se agrega territórios e operadores, há naturalmente diversos tipos de sobreposição, pelo que existe também todo um trabalho invisível de definição na designação das linhas, na identificação de paragens, no desenho das espinhas das linhas.

Outro aspeto crítico passa pela transição entre a oferta atual e a da CM. Há todo o trabalho de comunicação da nova rede, encontrar caminhos para ir integrando a nova frota e decidir se a transição se faz progressivamente ou em big bang.

Para apoiar a gestão está a ser desenvolvida uma plataforma tecnológica que tem diferentes objetivos. Desde logo, um associado à gestão do contrato propriamente dito, com a avaliação da oferta colocada à disposição do passageiro e gestão das incidências de operação, outro associado ao passageiro, outro associado à informação ao público, outro associado à gestão de parceiros, e mais alguns outros objetivos. Mas também estamos a trabalhar numa ferramenta de CRM que nos permita conhecer melhor o nosso passageiro para adequar a oferta às necessidades reais, sejam medidas por indicadores internos ou relatadas pelo passageiro, pelo que as ferramentas permitirão interação nos dois sentidos da informação. Também entendemos que a facilitação das interações do passageiro com o sistema tem que ser trabalhada, pelo que vamos muito breve disponibilizar quiosques [ver foto] em que, de forma autónoma e sem qualquer necessidade de intervenção de outros que não o passageiro, se pode fazer um cartão navegante em cerca de um minuto, bastando para tal ter cartão de cidadão e um qualquer cartão bancário. Estes quiosques estes estão distribuídos por pontos estratégicos e com visibilidade em cada um dos municípios da AML, cumprindo também assim um propósito de afirmação da TML como uma empresa de âmbito metropolitano. Estamos também a trabalhar em quiosques portáteis, assistidos, melhorando a capilaridade desta oferta e resolvendo a dificuldade muitas vezes relatada de emissão de cartões, quer pela dificuldade de acesso, quer pelo tempo de emissão. Igualmente, teremos, para apoiar a informação ao público, 370 painéis de informação com duas tipologias, uma mais dedicada a dar informação em interfaces e locais de grande afluência de passageiros e potenciais passageiros e outra tipologia mais dirigida a dar informação típica de circulação e paragem.

Referiu a integração da nova frota. Como está pensada?
Os operadores começarão a receber os novos autocarros no início de 2021. Estando os autocarros disponíveis e emergindo os novos operadores de operadores existentes, não faz sentido esperar pelo primeiro dia da CM para começar a usar estas viaturas, desperdiçando toda a mais-valia da antecipação da sua utilização. Qualquer que seja o ponto de vista é uma medida racional. Mais conforto para o passageiro, menor impacto no ambiente, maior fiabilidade na utilização. Note que não valorizei o aspeto de segurança, porque este tem sido sempre assegurado pelos operadores. Mas naturalmente os novos veículos trarão aos motoristas novas ferramentas para facilitar a condução.

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Referiu a integração tecnológica. Para além da plataforma, existem outras ideias ou desenvolvimentos em curso?
A TML tem uma visão que não se esgota no contrato da CM. Sabemos como é importante estarmos ligados aos outros atores do ecossistema de transportes. Já temos neste momento experiências de cooperação com atores da micromobilidade para garantir outras opções para o primeiro e último quilómetro nas zonas em que a rede convencional não é suficientemente capilar, estamos a trabalhar com os táxis para uma melhor integração, facilitamos a entrada de novos atores na venda de títulos utilizando plataformas que simplificam a compra, estamos a testar a possibilidade de integrar a oferta do sistema navegante em pacotes de mobilidade, entre outras ações concretas.

O nosso posicionamento é fácil de entender. Queremos trazer para o sistema toda a inovação tecnológica que melhore a experiência (como agora se diz) da utilização dos transportes públicos, ganhando com isso novos passageiros. Se essa inovação deve ser oferecida diretamente pela TML ou através de parceiros, avaliaremos caso a caso, no sentido de verificar de que forma tal oferta é mais efetiva. O que não abdicaremos é de verificar a qualidade dessa oferta e o seu não enviesamento e garantir que estas parcerias são realizadas cumprindo todas as regras de mercado e de igualdade de oportunidades.

Na TML sabemos que só ganhamos o desafio que nos propusemos se nos preparámos para ir respondendo às necessidades das pessoas, e trabalhar para antever essas necessidades. Assim mantemos uma lógica de inovação, quer seja através do desenvolvimento de ferramentas como a possibilidade de efetuar pagamentos e validações através de cartões bancários, possibilidade o pagamento e validação através do telemóvel, na criação de condições para aparecimento de uma ou mais soluções de mobilidade como um serviço (MaaS), no transporte flexível, na criação de uma conta da mobilidade, e em vários outros desenvolvimentos, quer seja através da nossa participação em projetos de I&D em que se discutem novas lógicas e novas tecnologias que facilitem essa resposta às necessidades dos passageiros e integração dos diferentes modos.

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Passamos toda a entrevista sem falar do impacto da pandemia, mas sabemos que ele foi grande. Como está a retoma da procura?
A pandemia teve um impacto muito grande na procura. No pico de quebra, a procura situou-se entre 20% a 30% da procura do mês homólogo. Felizmente estamos em recuperação progressiva, estando atualmente a venda de passes a rondar cerca de 80% do mês homólogo de 2019. Isto deixa-nos esperançados, até porque não nos esquecemos que 2019 foi um ano em que a procura cresceu muito, decorrente da introdução do novo sistema tarifário, os passes navegante, que para além da simplificação que trouxeram ao sistema, trouxeram também uma redução do custo para o passageiro muito significativa, a possibilidade de passar a usar o passe em toda a AML enquanto os antigos passes do tipo L só cobriam cerca de 30% da área da AML e em todos os operadores, como por exemplo, a Fertagus ou o MST.

Estamo-nos já a preparar para responder a novas rotinas que decorrem do teletrabalho, da diversificação de horários ou mesmo da lógica de partilha. Sabemos, por similitude com o que está a acontecer em outras áreas metropolitanas, que parte residual da procura não voltará a usar o transporte público, mas também sabemos que o transporte público teve um papel fundamental para manter a sociedade a funcionar e que essa visibilidade pode agora ser usada a favor para atrair mais pessoas. É importante desmistificar o risco de utilização do transporte público uma vez que não há nenhuma evidência que este seja um canal preferencial de transmissão do vírus, é importante comunicar que todos os operadores fizeram e continuam a fazer um esforço muito grande para manter os veículos limpos, quer intensificando as ações de limpeza, quer através da utilização de produtos sanitários que asseguram uma maior proteção e prolongam os efeitos da desinfeção. Mas também é importante perceber que as pessoas procuram agora produtos tarifários mais flexíveis, uma melhor integração entre modos, quer sejam os tradicionais, quer sejam os comumente conhecidos como micromobilidade, e que é fundamental investir na informação ao público para facilitar a utilização dos transportes públicos.

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Para finalizar, como sintetiza o foco da TML?
Na CM o foco está todo no passageiro, em garantir o melhor serviço possível, tornando o sistema de transportes públicos mais atrativo porque melhor adaptado às suas necessidades. Na TML vemos para além do passageiro, focando-nos no cidadão, pois temos consciência que o ecossistema dos transportes em que nos inserimos tem impacto no território, no ambiente, na energia, com externalidades positivas e que contribuem definitivamente para uma melhoria da qualidade de vida de todos.


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