“Os investimentos em curso irão resolver a generalidade dos problemas"
Leia a entrevista a Jorge Delgado, Secretário de Estado das Infraestruturas, publicada originalmente na edição n.º125.
Em entrevista à Eurotransporte, o Secretário de Estado das Infraestruturas, Jorge Delgado, mostra-se satisfeito pelo investimento que tem vindo a ser feito no transporte ferroviário, garante que o Plano Ferrovia 2020 é para cumprir na íntegra e salienta a “coerência” do contrato que pressupõe eliminar a dívida histórica da CP.
EUROTRANSPORTE - A UE definiu 2021 como o «Ano Europeu do Transporte Ferroviário 2021». Que balanço faz desta iniciativa europeia?
JORGE DELGADO - O Ano Europeu do Transporte Ferroviário veio dar uma grande visibilidade à importância da ferrovia em toda a Europa. Políticos, indústria, sector dos transportes e grupos de cidadãos dos diferentes países mobilizaram-se para exigir mais opções para poderem deslocar-se de forma ambientalmente sustentável. A feliz coincidência de Portugal ter a presidência da União Europeia durante o primeiro semestre de 2021 deu-nos a oportunidade de colocar a ferrovia no centro do debate europeu, levantando questões e promovendo o debate sobre a avaliação das políticas europeias para o sector nas últimas décadas.
Depois de descurado durante muitos anos, o transporte ferroviário tornou-se uma das prioridades do Governo. Quais são as grandes vantagens deste transporte e da transferência modal?
Por ter uma enorme eficiência energética, e por não ter, há décadas, nenhuma barreira tecnológica à sua total electrificação, o transporte ferroviário é o modo de transporte ambientalmente mais sustentável. Mas existem outras vantagens, este tipo de transporte é também o mais eficiente em termos de ocupação do solo e aquele que permite uma maior capacidade de transporte. É, por isso, um modo que responde bem a um dos princípios defendidos por Mahatma Gandhi - “More from Less for More” – princípio que espelha bem a sua preocupação com a racionalidade do consumo e com a forma como nos organizamos socialmente, que mais que nunca está actual. Não só pela acção climática, e pela sustentabilidade do planeta, nas suas diversas vertentes, mas também pela nossa qualidade de vida, o futuro do transporte terá de ter muito mais transporte colectivo. E, por isso, o comboio estará sempre no centro das redes de transportes.
O que ficou a faltar concluir do plano «Ferrovia 2020»? Quais são as empreitadas que faltam realizar?
O Plano Ferrovia 2020 é um plano ambicioso de investimento de cerca de dois mil milhões de euros, que está em curso e que irá ser concluído na íntegra. Não há nenhum projecto que tenha sido abandonado. Temos obras já concluídas, como a Linha do Minho ou a Linha da Beira Baixa, e com excepção de um ou dois projectos que estão a ser finalizados e cujo concurso para obra será lançado muito em breve, tudo o resto está naquilo que chamamos de fase de obra. Seja com obras no terreno na Linha do Norte, na Linha da Beira Alta, no Corredor Internacional Sul ou ainda nos primeiros troços das linhas do Oeste e do Algarve, seja com obras em fase de contratação como é o caso dos segundos troços dessas mesmas linhas do Oeste e do Algarve.
Quais os actuais desafios da ferrovia que se colocam para estimular a recuperação da ecomomia com a concretização do Plano de Recuperação e Resiliência?
Os instrumentos de financiamento europeu são diversos e procuramos utilizá-los de forma inteligente para alavancar os investimentos que consideramos prioritários. Os fundos europeus estruturais, no próximo quadro comunitário o designado PT2030, não financiam investimentos em rodovia. No entanto, como existem investimentos rodoviários de pequena escala, mas de uma extrema importância que devemos realizar, estamos a utilizar o Plano de Recuperação e Resiliência para a sua concretização. Falamos da conclusão de alguns missing links que permitem dar coerência e exponenciar a utilização da nossa excelente rede rodoviária, falamos de ligações em falta a algumas áreas empresariais que potenciarão a sua dinâmica e actividade e falamos ainda na concretização de ligações transfronteiriças que são muito importantes para as relações sociais e económicas com o único país com quem temos fronteira terrestre, a nossa vizinha Espanha. Todos estes projectos têm um valor económico e social muito superiores ao seu valor financeiro, sendo por isso fundamental a sua concretização. Os projectos em infra-estruturas ferroviárias e material circulante serão financiados pelo PT2030 e também pelo CEF - Connecting Europe Facility.
Que lacunas ainda existem na infraestrutura ferroviária que impedem uma maior competitividade do transporte ferroviário de mercadorias?
A ausência, durante décadas, de investimento na nossa rede ferroviária faz com que a mesma esteja obsoleta e que, por essa razão, não seja possível obter uma adequada competitividade do transporte ferroviário de mercadorias. Os investimentos em curso irão resolver a generalidade dos problemas existentes, sendo aliás esse objectivo, um dos objectivos principais do plano de investimentos materializado no Ferrovia 2020. Com este plano vamos conseguir atingir três objectivos fundamentais: electrificar a nossa rede, corrigir traçados e criar zonas de cruzamento de comboios que permitam a circulação de mais comboios e de comboios de maior dimensão, até aos 750 metros, e ainda, instalar sistemas de sinalização de tipologia standard europeia. Com tudo isto, o que de mais importante vamos conseguir é aumentar muito a nossa capacidade de transporte, reduzir custos de operação e revolucionar a nossa interoperabilidade, desde logo com a rede ferroviária espanhola com quem temos a grande maioria da nossa interacção. Para dar uma ideia da escala destas alterações, esperamos vir a atingir uma duplicação da capacidade de transporte instalada e reduzir de forma expressiva os custos de transporte, redução esta que pode ir até 28% nos tráfegos pela Linha da Beira Alta e até 45% nos trajectos pela nova linha Évora / Elvas. Desta forma pretendemos criar condições para um grande aumento da competitividade do transporte ferroviário de mercadorias em Portugal.
Para que o transporte ferroviário se torne totalmente «limpo» é necessária a modernização e a electrificação das linhas. Se o PS continuar no Governo após as próximas eleições, quais serão os eixos prioritários?
O Plano Nacional de Investimento 2030 – PNI2030 tem prevista a continuação da modernização da rede ferroviária existente, estando previsto o seu financiamento através do PT2030, tal como consta no documento sobre esta matéria que se encontra em consulta pública. No final do próximo quadro comunitário de apoio, esperamos ter toda a nossa rede modernizada e electrificada.
A proposta do Orçamento do Estado para 2022 previa uma despesa excepcional de 1,8 mil milhões para reduzir a dívida histórica da CP. Que consequências poderá ter para a CP, ao nível da gestão e da operação, se essa medida não se vier a concretizar?
O contrato de serviço público que o Estado assinou com a CP tem como pressuposto a eliminação da dívida histórica da CP, e só assim este contrato tem coerência. Note-se que este contrato veio regular a relação entre o Estado e a empresa pública CP, que presta um inestimável serviço público de transporte a toda a população, conferindo transparência à relação entre as obrigações do serviço que tem que ser prestado e o preço a pagar pelo Estado pelas exigências que faz desse mesmo serviço. Relembre-se ainda que, se esta dívida histórica existe é porque o Estado não tinha assumido até agora a responsabilidade por pagar à CP o justo valor pelo serviço que presta, não tendo restado no passado alternativa à CP, que não fosse o endividamento, para poder assumir as funções e responsabilidades que lhe eram pedidas.
Que planificação existe, para a CP, em termos de aquisição de material circulante, na óptica do atual Governo a transpor para um eventual futuro mandato?
Para além da extraordinária recuperação de material circulante que a CP tem feito, e continuará a fazer, e do desenvolvimento do concurso para a aquisição de 22 novos comboios, que têm já visto do Tribunal de Contas, foi já aprovado o lançamento de um concurso para a aquisição e 117 novas composições. Este inédito concurso em Portugal, pela sua escala, permitirá adquirir comboios para os serviços urbanos e para os serviços regionais e será lançado muito em breve. Estes comboios destinam-se aos serviços regionais um pouco por todo o país, nomeadamente, nas linhas do Oeste, Alentejo e Douro, linhas que estão, entretanto, a ser electrificadas e modernizadas. A nossa expectativa, e de acordo com os prazos contratuais, é que as primeiras unidades deverão entrar ao serviço, no máximo, em 2025. Complementarmente a isto estava nos nossos planos a preparação de um concurso para adquirir material circulante de longo curso, que terá de ser objecto de decisão por um próximo Governo.
A IP já deu início ao estudo para a relocalização do novo terminal ferroviário da Bobadela?
Sim. Dando cumprimento a uma Resolução do Conselho de Ministros que assim o decretou, está em curso o estudo para a relocalização do novo terminal ferroviário da Bobadela.
Entretanto, ao nível da ferrovia, já há concursos a ser lançados no âmbito do PNI 2030, como é o caso da quadruplicação da linha de Cintura entre as estações de Roma/Areeiro e Braço de Prata. Que mais-valias este projecto pode trazer para a mobilidade na Área Metropolitana de Lisboa?
Este troço é um troço inacabado, que constitui um estrangulamento da rede, e que limita muito a capacidade de oferta e de operação desta linha. Confluem neste troço os comboios que vêm de Sintra, da linha do Oeste, do Rossio e da margem Sul, o que, como se compreende, não permite estabelecer a oferta de transporte que se desejaria para todas estas origens. Com esta quadruplicação poderemos melhorar muito esta situação, resolvendo desde logo problemas como a conhecida falta de oferta na linha de Sintra.