Entrevista com Amílcar Nascimento da Exide Technologies Portugal
A EUROTRANSPORTE esteve à conversa com Amílcar Nascimento, responsável comercial e de marketing da Exide Technologies Portugal.
A transição energética já está cimentada entre nós, nas localizações ventosas, nas casas, carros e indústrias. O vocábulo «sustentabilidade» tende a vulgarizar-se e a dar lugar a um outro, porventura mais apropriado: o bom-senso. Fazer o que está certo foi o culminar da ideia que levou a Exide Technologies Portugal a unir-se à EDP Comercial e a construírem, nos terrenos das unidades de produção e reciclagem de baterias da empresa, o maior parque fotovoltaico do país para auto-consumo de energia elétrica solar com capacidade de armazenamento. Está pronto desde o final de 2021, a gerar muita curiosidade e já rende os seus frutos.
A energia gasta para a produção de um bem ou serviço é tida como um dos fatores de produção mais onerosos de todo o processo. A indústria sabe-o bem e os tempos mais recentes comprovam-no como nunca antes. A fatura está bem mais pesada. A crise energética, agravada pelo conflito bélico no Leste europeu e a necessidade urgente de aplacar as alterações climáticas, tornam urgente a assunção de medidas inteligentes, economicamente mais viáveis e amigas do ambiente. Sabendo-se que a dução de energia para utilização industrial é responsável por 77% das emissões de gases poluentes para a atmosfera (dados da Agência Europeia do Ambiente), também o desafio energético proposto pela União Europeia até 2030 propõe o aumento para 32% da quantidade de energia renovável consumida.
Em Castanheira do Ribatejo e na Azambuja, a Exide Technologies Portugal, fabricante e reciclador de soluções energéticas para a indústria e ramo automóvel, também o percebeu. Tinha a vontade e o terreno disponíveis e quis pensar para diante. Assim surgiu um grande parque fotovoltaico, fruto de uma parceria que já se estendeu a Espanha, onde se encontram outras unidades fabris do grupo.
A EUROTRANSPORTE foi-lhe tomar o pulso, à conversa com Amílcar Nascimento, responsável comercial e de marketing da Exide Technologies Portugal.
Está em pleno funcionamento este grande parque fotovoltaico nas instalações da Exide Technologies Portugal...
Amílcar Nascimento: Funciona em pleno e é um grande projeto que empreendemos com a EDP Comercial. Está a dar bons frutos à parceria, pois já conseguimos estender a mesma a outras fábricas do grupo em Espanha, com o mesmo tipo de instalação. Nas nossas fábricas – em
Castanheira do Ribatejo e na Exide Recycling [Azambuja], a única metalúrgica existente em Portugal para o processo de reciclagem de baterias – foram montados cerca de 11 mil painéis fotovoltaicos. Estes foram adquiridos e montados pela EDP Comercial e as baterias foram produzidas por nós em Castanheira do Ribatejo. Está a ser uma boa montra para os potenciais clientes da EDP para este tipo de sistema e todos estamos muito satisfeitos com os resultados que estamos a obter.
Essa extensão às fábricas em Espanha é resultado da mesma parceria?
Francisco Ocón, então, no início do projeto, em 2019, diretor financeiro da Exide Technologies Portugal, foi o responsável pelo início do desenvolvimento da parceria com a EDP Comercial. Ao assumir as responsabilidades do pelouro financeiro ibérico também para Espanha entendeu alargar esse acordo com a EDP, segundo o mesmo conceito, às fábricas ali instaladas, em Manzanares e La Cartuja.
Atendendo às generosas dimensões e potência instalada [3,8 Mwp] do parque presumir-se-á que estará em condições de fornecer toda a energia que o processo fabril requer, ou não era esse o objetivo?
Sabíamos de antemão que não o iríamos conseguir, pelo que não era o objetivo. O que produzimos é energia «empacotada», e isso tem um consumo enorme, mas já nos fornece um balão de oxigénio muito grande. A fábrica opera por turnos, 24 horas por dia, pelo que há um grande consumo, e nem sempre temos a energia solar [no período nocturno, ou quando não há sol], que é armazenada nas nossas baterias. À noite podemos utilizar essa energia acumulada, ou injetá-la na rede da EDP. Pelo que vamos sabendo do processo de monitorização, se duplicássemos a capacidade instalada ainda ficaríamos aquém das necessidades.
Quando se comparam os custos dos consumos, entre o que era exigido antes da crise energética e o que é pedido atualmente, a questão é muito sensível para a indústria. Em junho, estimava o presidente da CIP, António Saraiva, que o gás natural aumentou seis vezes e a eletricidade, catapultada pelo preço daquele, ronda persistentemente os 200€/MWh...
Seguramente. O que temos concluído é que, se não partíssemos para este investimento a nossa vida seria bem mais difícil do que é atualmente. Chegámos ao ponto de ver contratos com fornecedores de gás serem revogados por lhes ser impossível manter aqueles preços de fornecimento. A fatura triplicou.
Quem foi o «pai» da ideia, a Exide Technologies Portugal ou a EDP Comercial?
As duas empresas casaram muito bem, mas quisemos andar um pouco mais à frente no mercado e procurar sempre novas oportunidades e ideias, daí termos feito os contactos. De âmbito privado e, segundo estes moldes, esta é a maior instalação que existe no país. Sentimos forte apoio e todos chegámos à conclusão de que foi uma boa aposta e que estamos a trilhar o caminho certo, em prol da sustentabilidade e das energias limpas.
Não só há um novo compromisso ambiental, mas também vantagens comerciais...
Derivam do acordo, naturalmente. Mas, acima de tudo, o compromisso diz-nos que é uma grande visão para o futuro. Para sermos energeticamente autónomos até as cidades terão que ter acumuladores de energia. Para mais, tem tudo a ver connosco, com o nosso core business, com as formas de acumular energia. Mais rápido do que se pensa, as cidades irão precisar de armazenar energia. É um casamento perfeito para nós. Eles [EDP Comercial] tinham uma solução e nós temos a forma de a poder armazenar. Foi o que nos motivou ainda mais.
Segundo os termos da parceria há outra vantagem para a Exide: ao cabo de 15 anos, o parque passa para a sua propriedade; ao instalador, que fez o maior investimento com a instalação, cabe executar a manutenção e monitorização do parque e cobrar pela energia consumida...
É uma mais-valia. Nessa altura, então, tiraremos ainda mais partido da energia produzida no parque, o que, em boa verdade, foi levado na melhor conta quando se decidiu avançar para o projeto. Nós tínhamos tudo: a capacidade de produção das baterias, todo o espaço para a montagem dos painéis – se se decidir aumentar a área do parque há muito mais terreno, mas também para incrementar as instalações fabris, se necessário -, e uma grande exposição solar nesta região.
Foi necessário proceder a algum ajuste tecnológico da vossa parte para responder às necessidades de aprovisionamento de energia captada pelos painéis?
Tudo o que produzimos está adequado a este parque, a bateria GNB utilizada é a Sonnenschein A600, acumulador com tecnologia gel livre de manutenção e de grande longevidade. O grupo Exide é dos poucos produtores de acumuladores de energia que está apto para todos os setores de atividade, quer para o ramo automóvel, quer para a fileira industrial, sobretudo nas baterias estacionárias ou para tração elétrica, e ainda fazemos a reciclagem. Há muito que estamos familiarizados com a tecnologia das baterias que iríamos aplicar nesta situação. Não tivemos que desenvolver nada. É um mercado que a Exide Technologies lidera.
Esta nova prática, de transição energética para maior sustentabilidade, tem despertado curiosidade por parte da comunidade industrial que vos rodeia?
Isto não passa despercebido, pois é muito grande. E têm-nos perguntado que tipo de benefício iremos ter com isto. Na zona, as empresas em nosso redor andarão a pensar: se eles trabalham com energia, se produzem acumuladores e têm isto tudo, certamente que compensará. Isto tem gerado muita curiosidade e a EDP tem trazido até aqui potenciais clientes. Tem sido um autêntico showroom, com a vantagem de estar em total funcionamento. Para o mercado residencial as baterias são exatamente as mesmas.
Para a transição energética em curso, tanto no ramo automóvel, mas particularmente na fileira industrial, a Exide está em condições de corresponder à grande demanda expectável?
No domínio das baterias industriais já estamos a presenciar um grande «boom» e a Exide Technologies tem instalações, fábricas e tecnologia capazes de corresponder a essa solicitação. No ramo automóvel, mesmo os veículos que deixam de ser de combustão interna continuarão a necessitar de uma bateria convencional, ainda que de menor capacidade, diferente, ou mais pequena. Aguardamos uma redução
neste ramo mas, ao mesmo tempo, um grande incremento nas soluções para a indústria. As frotas de pesados de transporte começam já a trabalhar com painéis fotovoltaicos para alimentar acumuladores que fornecem energia para uma série de acessórios, e nós temos as soluções para isso.
A FORNECER ENERGIA HÁ 102 ANOS
A epopeia começou em 1920, num pequeno escritório e armazém na baixa de Lisboa, em julho de 1920, dava então a Tudor os primeiros passos no negócio de produção de baterias e pilhas secas, com a primeira fábrica a ser localizada no Dafundo.
A fornecer energia há 102 anos, acabados de completar, a Tudor, hoje Exide Technologies Portugal, deslocou-se em 1950 para as atuais instalações de Castanheira do Ribatejo, entre o Tejo e a autoestrada A1. A montante do rio, e a curta distância, na Azambuja, situa-se a Exide Recycling, onde se recolhem, armazenam e reciclam as baterias em fim de vida. No Porto, encontra-se um armazém para abastecimento de produto à região Norte.
Em 1998, a Tudor tornou-se um fabricante global, uma vez adquirida pelo grupo norte-americano Exide, no mercado há 130 anos, dedicado aos segmentos industrial e automóvel em mais de 80 países, constituindo-se, em termos mundiais, o maior fabricante de acumuladores elétricos. Na área das baterias automotivas, o grupo é o segundo produtor a nível mundial. O grupo operou em 2020 uma grande alteração corporativa, com a separação da ramificação europeia do empório norte-americano, sendo agora conduzida a partir de França.
*Publicado originalmente na edição n.º 129 de Eurotransporte