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Eduardo Vítor Rodrigues, presidente da AMP

26 outubro 2022

O presidente da Área Metropolitana do Porto (AMP), Eduardo Vítor Rodrigues, falou com a EUROTRANSPORTE sobre os desafios atuais do setor da mobilidade e dos transportes nos 17 municípios que compõem a região e explicou o plano de ação para os próximos anos.

Eduardo Vítor Rodrigues enumera as lacunas existentes no sistema de transportes da AMP e reconhece que o significativo atraso na adjudicação da contratualização do serviço público de transportes rodoviários de passageiros na AMP se deveu às sucessivas impugnações judiciais que foram interpostas. Ainda assim, espera que o assunto fique encerrado até ao final deste ano e que os concorrentes que perderam o concurso possam continuar a colaborar em parcerias de operações de transportes públicos com as empresas vencedoras.

Qual a estratégia que a AMP tem para o setor da mobilidade?
A estratégia global é clara: rede. O modelo de mobilidade tem que assentar numa rede coerente, articulada e sustentável em termos financeiros e com uniformização de modos de bilhética e de tarifa. Isto é exigível para o conforto das pessoas e para a sustentabilidade do modelo. Devemos continuar a substituir as «linhas-antena», quase sempre direcionadas ao Porto, por linhas em rede, com interfaces intermodais e ligações articuladas. Ao mesmo tempo, importa que esta «rede» seja também coerente em termos de modos de transporte: o comboio em contexto suburbano, o Metro, os autocarros, os modos suaves. Se esta integração inteligente não se fizer, não será possível criarmos soluções atrativas de transporte público e substituir progressivamente o transporte individual. A componente da bilhética e da tarifa, integradas e a preços acessíveis, teve um grande avanço com o passe metropolitano, mas importa ir mais além.

Quais as mais-valias, no âmbito dos transportes, que planos como o PNI2030 e o PRR – Plano de Recuperação e Resiliência podem trazer à Área Metropolitana do Porto?
Em primeiro lugar, a priorização do transporte público. Os financiamentos para o novo material circulante, por exemplo, só acontecem por haver uma visão valorizadora do transporte público e da necessidade de termos cidades que cumpram os objetivos de descarbonização, o que nunca será conseguido sem uma alteração estrutural do transporte público.

Recentemente foi aprovada pela AMP a proposta de concretização da Estratégia e domínios prioritários de Ação - AMP 2030. Os transportes e a mobilidade estão contemplados neste plano? A que níveis?
Colocaria a abordagem de outra forma: não há nenhuma forma de excluir os transportes públicos, a sua reorganização e o seu reforço, de qualquer objetivo estratégico do Plano AMP-2030. Isto ocorre, porque a centralidade dos transportes públicos não se cinge a transportar pessoas: é o objetivo de descarbonização, a organização inteligente das cidades, a qualidade de vida das pessoas, a redução dos tempos de pendularidades diárias, a melhoria da qualidade do ambiente e do ar nas cidades, enfim, diria mesmo que a questão dos transportes públicos é, ao mesmo tempo, central e instrumental para cidades mais sustentáveis e com futuro. Terão, assim, um futuro próspero as cidades, as pessoas, mas também os operadores de transporte público que não se fiquem pela mera gestão do quotidiano e tenham também uma visão sustentável para si e para as cidades.

EVR (5)

Na sua opinião, quais são as principais lacunas ainda existentes no sistema de transportes e mobilidade na Área Metropolitana do Porto?
Há muitas. É preciso não esquecer que este domínio passou para os municípios e para as Áreas Metropolitanas depois de um desafio estrutural do, então, Ministro do Ambiente João Pedro Matos Fernandes, e na sequência do trabalho desenvolvido pelas duas áreas metropolitanas, com o empenho que tivemos e com a parceria fundamental da AML, então liderada por Fernando Medina. Foi este trabalho empenhado e responsabilizante que assumimos, sabendo que era uma questão central para o país e para as pessoas. Avançamos com o passe metropolitano, uma verdadeira revolução na bilhética e na tarifa, reduzindo os custos para as pessoas, mas também renovando o modelo de financiamento às empresas operadoras. Acho mesmo que este modelo foi a única forma de resistirmos aos problemas de sustentabilidade colocados pelo período COVID. Precisamos de reforçar os modelos de financiamento, apoiar a aquisição de novo material circulante e inovar em termos de tecnologia, com enfoque no hidrogénio. Avançamos igualmente com o concurso público para a contratualização do serviço público de transportes rodoviários de passageiros, que era exigido desde 2009 pela Regulamentação europeia. O trabalho é imenso, tão imenso quanto os desafios existentes e as necessidades de melhorar as nossas cidades.

Em fevereiro, foi adjudicada finalmente a contratualização do serviço público de transportes rodoviários de passageiros da Área Metropolitana do Porto, depois de cerca de dois anos após o lançamento do concurso. Quais os motivos que levaram a este atraso?
Só há um motivo: as sucessivas impugnações judiciais dos concorrentes que perderam o concurso, que, como se sabe, têm imediato efeito suspensivo. Note-se que eu percebo a questão dos operadores. Por um lado, são empresas que nunca tiveram o apoio público que ocorreu noutros países, como em Espanha, estando menos preparadas para o concurso. Por outro lado, há um aspeto simbólico: nenhum autarca festeja a saída de uma empresa da sua terra. Mas, sendo um concurso público, só poderíamos garantir o resultado se manipulássemos o concurso e isso nunca faríamos. Percebo e estou solidário com a angústia de todos, que também é dos autarcas. Mas também devo dizer que poderia ter sido feito mais por parte das empresas, pois tiveram nove anos para se prepararem para a inevitabilidade dos concursos. A diretiva europeia era impositiva, mais cedo ou mais tade iria produzir efeito. Ou não acreditaram que viesse a ser exigido pelo país os procedimentos concursais, ou desvalorizaram as regras do mercado. Acredito que haverá uma oportunidade, se tudo isto ficar encerrado com o Visto do Tribunal de Contas, para que quem perdeu continue a colaborar em parcerias de operações de transportes públicos com as empresas vencedoras. E têm os próximos sete anos para darem o salto que importa para estarem melhor preparados no próximo concurso.

Entretanto, após a adjudicação, foi interposto um novo processo de impugnação do concurso por parte de alguns operadores rodoviários. A Comissão Executiva da AMP já afirmou publicamente que o processo poderá arrastar-se durante “quatro a cinco anos”. Qual a solução imediata para resolver este diferendo?
Eu não sou tão pessimista como a Comissão Executiva! Acredito que as coisas ficarão decididas até final do ano, dependendo naturalmente dos prazos judiciais e do Tribunal de Contas, prazos que não controlamos.

Os operadores alegam que os pressupostos económico-financeiros iniciais do concurso público foram alterados devido à crise energética, à pandemia Covid-19 e guerra na Ucrânia, sendo que esse facto deveria levar a mudanças no procedimento concursal. A AMP considera válidas algumas reivindicações dos operadores?
A AMP foi sensível a essa questão e promoveu um estudo económico-financeiro comparativo, que mostrou que os pressupostos não eram minimamente suficientes para anularmos o caderno de encargos. A prova é que todos os operadores vencedores assinaram contratos no contexto da adjudicação, o que mostra que o processo é viável. Mas competirá ao Tribunal de Contas a última palavra.

Na opinião da AMP, qual deve ser o papel estratégico do transporte ferroviário (metro e comboio pesado) na mobilidade da Área Metropolitana do Porto?
Na linha do que referi anteriormente, devem assumir um papel de rede e na rede. Veja-se o exemplo da Linha Rubi do Metro, desenhada para ter interface em Santo Ovídio, onde cruza com a linha Amarela e com a futura estação da alta velocidade, bem como para ter interface nas Devesas, onde cruza com a Linha do Norte. O transporte público será rede ou não será nada.

EVR (1)

E qual deve ser o papel dos chamados «modos suaves»?
Aqui precisamos de reconhecer um papel relevante nas pequenas deslocações, mas precisamos de regulamentação. Os modos suaves são exemplos de como a realidade muda mais depressa do que a regulamentação, causando conflitos no ordenamento urbano e na convivência no espaço público, que urge contrariar. Resolvida que esteja essa regulamentação nacional, teremos boas condições para reforçar essa integração e dar-lhe o importante papel que tem.

Qual a estratégia da AMP para o setor da Logística Urbana?
Aqui temos que reconhecer que os municípios têm a principal palavra a dizer, mais do que a AMP. Essa não é uma delegação dos municípios na AMP, mas será inevitavelmente um tema que teremos que articular. As novas formas de compras online, a distribuição de encomendas ao domicílio, bem como a grande logística de âmbito regional tendem a colocar desafios que não são apenas concelhios, são metropolitanos. Acho que temos clara essa consciência nos autarcas e na necessidade de articulação de localizações e de circulação. Mas também não escondo que pode ser uma importante resposta a municípios mais periféricos, onde a grande logística pode ser um contributo económico importante.

Existe algum plano de ação?
A atual revisão dos PDM dos vários municípios permite articular estratégias e consolidar planos conjuntos, que a AMP tenderá a acompanhar no quadro das suas competências.

 


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