MUBi propõe medidas de redução da dependência de combustíveis fósseis

01 setembro 2022
23min.

A MUBi - Associação pela Mobilidade Urbana em Bicicleta propõe um conjunto de medidas prioritárias para reduzir rapidamente o consumo de energia e a dependência dos combustíveis fósseis no sector da mobilidade e transportes.

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O sector dos transportes em Portugal é responsável por 37% do consumo de energia final. Nas áreas urbanas, mais de 30% das viagens de carro são inferiores a 3 km e 50% delas até 5 km, e a transferência para um uso mais intensivo dos modos ativos (caminhar e bicicleta) permite proporcionar poupanças energéticas substanciais a curto prazo. A MUBi propõe um conjunto de medidas prioritárias para reduzir rapidamente o consumo de energia e a dependência dos combustíveis fósseis no setor da mobilidade e transportes. A implementação destas medidas contribuirá, simultaneamente, para a transição ecológica, a saúde pública, a economia e a sustentabilidade e resiliência das cidades.

Contributo da MUBi para o Plano de Poupança de Energia
1. Enquadramento
O setor dos transportes em Portugal é responsável por 37% do consumo de energia final (contra 30%, em média, na União Europeia) e depende em 95% do petróleo para satisfazer as suas necessidades energéticas. Este setor em Portugal é caracterizado por uma forte dependência da utilização do automóvel particular – é o segundo país da União Europeia que mais utiliza este modo de transporte, com 89% dos passageiro-km realizados de carro. Os transportes rodoviários são, de longe, o subsetor mais importante e continuam a representar uma grande parte do consumo de energia e das emissões de gases com efeito de estufa nacionais. Em sentido contrário aos objetivos de ação climática e à meta de redução de emissões dos transportes em pelo menos 40% até 2030, com que Portugal se comprometeu, as emissões rodoviárias têm vindo a aumentar há uma década e o setor dos transportes é, desde 2019, o setor com maior peso (28%) nas emissões do país. O transporte rodoviário é responsável por mais de 95% do consumo energético e das emissões do setor e, também, a principal causa da falta de qualidade do ar nas nossas cidades.

A transformação da frota automóvel em veículos elétricos é demorada e largamente insuficiente para dar resposta às necessidades de redução do consumo energético e da dependência dos combustíveis e às metas climáticas nesta década. Também não resolve muitos dos outros problemas relacionados com o uso do automóvel nas zonas urbanas – nomeadamente o consumo de espaço, congestionamentos de trânsito, sinistralidade, emissão de partículas, etc. Alcançar esses objetivos requer uma significativa redução do número de carros em circulação e da sua utilização, principalmente nas cidades.

Na comunicação ‘Plano da UE «Poupar Energia»’, no âmbito do Plano RePowerEU[10], a Comissão Europeia indica que os setores chave para poupanças energéticas significativas a curto prazo são o aquecimento de edifícios e os transportes e a mobilidade. A Comissão aponta, ainda, que para alcançar as principais reduções no consumo de petróleo é necessária a redução da utilização do automóvel particular, bem como formas de condução mais económicas, e destaca que a transferência para “o uso mais intensivo dos transportes públicos e da mobilidade ativa (…) permite proporcionar poupanças substanciais a curto prazo”.

A mobilidade urbana é responsável por cerca de 23% do consumo energético do setor dos transportes na Europa. Mais de 30% das viagens em automóvel cobrem distâncias até 3 km e 50% delas são inferiores a 5 km. Estas distâncias podem ser feitas em 15-20 minutos de bicicleta ou em 30-50 minutos a pé. O que significa que existe um potencial considerável de reduzir rapidamente o consumo de combustíveis fósseis na mobilidade urbana. Tipicamente, o uso do automóvel nas cidades é quando o consumo por quilómetro é mais ineficiente (devido aos arranques com o motor a frio, ao pára-arranca nas intersecções e aos congestionamentos). Por isso, cada 1% de transferência modal do automóvel para os modos activos resulta numa redução de consumo de combustíveis de entre 2% e 4%[13].

2. Medidas prioritárias
A MUBi recomenda o conjunto de medidas prioritárias a seguir apresentado, para reduzir o consumo energético e a dependência dos combustíveis fósseis no sector da mobilidade e transportes. A implementação destas medidas contribuirá, igualmente, para acelerar a transição ecológica e, em simultâneo, para a saúde pública, a economia, e para tornar as cidades e os sistemas de transporte mais resilientes e sustentáveis. São apresentadas medidas de rápida implementação e com resultados a curto prazo, mas que deverão ser instituídas como prática permanente, e medidas de implementação mais demorada com resultados a médio prazo.

Dotar a ENMAC 2020-2030 de recursos e acelerar a sua implementação
A Estratégia Nacional para a Mobilidade Activa Ciclável (ENMAC) 2020-2030 foi publicada a 2 de Agosto de 2019, com o objetivo de convergência da utilização da bicicleta como modo de transporte em Portugal com a média do resto da Europa. Praticamente desde o início da pandemia de Covid-19, a Assembleia da República tem vindo, por diversas vezes, a recomendar ao Governo que priorize e acelere a implementação da ENMAC 2020-2030 e a prossecução dos seus objetivos.

O Governo deverá alocar os recursos humanos, técnicos e financeiros necessários à coordenação da Estratégia e à execução das suas medidas e capacitar as respectivas equipas, com vista a acelerar a implementação da ENMAC e alcançar as metas estabelecidas na Resolução do Conselho de Ministros.

Revogar imediatamente os benefícios indiscriminados aos combustíveis fósseis
Entre reduções de impostos, subsídios e impostos que se deixaram de cobrar na área dos combustíveis fósseis, o Estado terá gasto 700 milhões de euros em 8 meses, de Novembro até Junho, segundo anunciou o próprio Governo. A redução do ISP (Imposto sobre Produtos Petrolíferos), equivalente à redução do IVA sobre os combustíveis para 13%, em vigor desde Maio, custa 80 milhões de euros por mês em perdas de receitas fiscais.

Uma parte destas verbas é absorvida pelas empresas petrolíferas e não chega sequer aos consumidores portugueses. Em acréscimo, para além de incentivarem o consumo energético e as emissões, as medidas são altamente inequitativas do ponto de vista social[19]. Segundo a ONG Transport & Environment, o decil da população com maior poder económico beneficia oito vezes mais que o decil mais pobre. Os condutores com maiores recursos económicos consomem, em média, mais combustível – conduzem mais, muitas vezes sozinhos e com veículos de maior potência e mais poluentes.

O Governo deverá eliminar imediatamente estes subsídios e benefícios indiscriminados aos combustíveis fósseis, e destinar as verbas para apoiar as pessoas e famílias mais carenciadas e afectadas pela crise energética e os modos de transporte mais eficientes e ambientalmente sustentáveis.

Reduzir o limite de velocidade nas cidades e estradas e mais fiscalização
Portugal assinou a Declaração de Estocolmo, que aconselha o limite máximo de 30 km/h nas localidades, e a Organização Mundial da Saúde e as Nações Unidas recomendam o limite de 30 em zonas urbanas. Também o Parlamento Europeu, em Outubro de 2021, aprovou – com 90% de votos a favor – a recomendação da adopção de uma velocidade máxima de 30 km/h “em zonas residenciais e zonas com um elevado número de ciclistas e peões“.

A medida resultará directamente na condução mais eficiente de veículos automóveis e redução do consumo de combustíveis fósseis. Mas, ao criar ambientes urbanos mais seguros, contribuirá para estimular o uso dos modos activos de deslocação e, desse modo, indirectamente também para a diminuição do consumo de combustíveis resultante da redução do uso do automóvel nas cidades.

No entanto, é sabido que a redução de velocidades não se obtém por decreto. Será necessário haver mais fiscalização do incumprimento dos limites de velocidade (em Portugal há por ano cerca de 40 multas de excesso de velocidade por mil habitantes, na Holanda há perto de 500) e também de outros comportamentos perigosos e abusivos para com os utilizadores vulneráveis.

Apoiar técnica e financeiramente os municípios na implementação de medidas rápidas de urbanismo táctico
O Governo deverá criar um programa de apoio técnico e financeiro aos municípios para estes implementarem medidas rápidas de urbanismos táctico, nomeadamente de redução efectiva de velocidades motorizadas, criação de corredores “pop-up” seguros e confortáveis para os modos activos, por exemplo nos acessos às estações e interfaces de transportes públicos, zonas de restrição ou proibição ao trânsito automóvel, instalação de parqueamentos seguros de longa duração para bicicletas nas áreas residenciais, corredores bus; mas também de medidas de gestão de estacionamento e outras que desincentivem a utilização excessiva do automóvel nos centros urbanos.

Melhorar a complementaridade dos transportes públicos com os modos ativos
A complementaridade dos transportes públicos com os modos activos, e, em particular, com a bicicleta, tem um enorme potencial para substituir deslocações em automóvel de maior distância. Para isso é necessário serem criadas condições de acessibilidade a pé e em bicicleta seguras e confortáveis às estações e interfaces de transportes públicos e instalados equipamentos como estacionamentos seguros para bicicletas. Na Área Metropolitana de Lisboa, por exemplo, apenas 26% das pessoas residem dentro de um raio de 10 minutos a pé de uma estação ferroviária, enquanto que esse valor sobe para quase o triplo, 72%, quando se considera um raio de 10 minutos em bicicleta.

O Governo deverá lançar um programa para a instalação de parqueamentos para bicicletas, seguros, protegidos e convenientes, de curta e de longa duração, nas interfaces de transportes públicos – com prioridade imediata nas tuteladas pelo Estado, como as estações de comboio; mas também promover outras condições, como seja o aumento da capacidade efetiva de transporte de bicicletas nos barcos da Transtejo e Soflusa. Este programa, ou outro complementar, deverá apoiar projetos municipais de melhoria da caminhabilidade e ciclabilidade dos percursos em zonas de captação com 500 metros e 3 quilómetros em redor das interfaces de transporte público.

Criar um programa nacional de incentivo às deslocações pendulares em bicicleta
Este tipo de programas, existentes em vários países europeus, recompensando financeiramente os quilómetros feitos em bicicleta, tem um grande potencial na transferência modal efetiva do automóvel para a bicicleta nas deslocações quotidianas.

O programa francês – l’Indemnité Kilométrique Vélo -, iniciado em 2015, recompensa os trabalhadores em 0.25 euros por quilómetro percorrido em bicicleta. Na Holanda, os trabalhadores podem agora alugar uma bicicleta por 7 euros por mês, e são recompensados em 0.17 euros por cada quilómetro pedalado. O programa belga existe desde 1999, recompensa os trabalhadores em 0.23 euros por quilómetro, e participam nele mais de 500 mil pessoas, cerca de 11% da força laboral do país.

Comparando com os programas de outros países, a MUBi estima que seriam necessários cerca de 6 milhões de euros – o equivalente a dois dias de redução do ISP – para o primeiro ano de um programa deste tipo em Portugal.

Aplicar a taxa reduzida de IVA (6%) na aquisição de bicicletas
A recente revisão da directiva europeia sobre o IVA passou a permitir aos Estados Membros aplicar a taxa reduzida de IVA a bicicletas, convencionais e elétricas. Em Outubro passado, a Assembleia da República já tinha recomendado ao Governo que estudasse a possibilidade de aplicar a taxa reduzida de IVA de 6% aos velocípedes a partir de 2022.

Esta medida será particularmente importante no incentivo à aquisição de bicicletas elétricas e de carga, com maior potencial de substituir deslocações em automóvel, mas cujos preços são considerados elevados por muitos portugueses e têm constituído um obstáculo à sua aquisição e adoção. Ao contrário dos veículos motorizados, a utilização da bicicleta gera ainda significativas externalidades positivas, nomeadamente ao nível da saúde pública, que largamente superam os custos da redução do IVA. Ao mesmo tempo, a aplicação da medida constituirá uma ajuda à indústria portuguesa da bicicleta, que produz mais bicicletas do que qualquer outro país europeu.

Em Portugal, em 2016, eram vendidas 350 mil bicicletas por ano, com um preço médio final de 250 euros. Pelo que, mesmo considerando uma atualização de preços, a redução do IVA de 23% para 6% significa um custo anual em perdas de receita fiscal de 15-20 milhões de euros – correspondente a 6 dias de redução do ISP.

Fazer uma campanha de comunicação de estímulo ao uso dos modos ativos
Propomos a realização de uma ampla campanha de comunicação sobre os benefícios, individuais e coletivos, do uso dos modos ativos de deslocação, e, em especial, da bicicleta, e os prejuízos da utilização excessiva do automóvel particular.

Uma campanha deste género contribuirá para a necessária mudança da cultura da mobilidade em Portugal, através da educação e consciencialização acerca das consequências das escolhas de mobilidade, e para a promoção da dos modos mais eficientes, económicos e ambientalmente sustentáveis.

Criar um programa de incentivos a planos e acções de gestão da mobilidade
O Governo deverá criar um programa de incentivo e apoio à criação de planos e acções de gestão da mobilidade por parte de grandes pólos atratores ou geradores de deslocações (organizações públicas e privadas, como empresas, hospitais, escolas ou atrações turísticas), que promovam os meios de mobilidade mais eficientes e sustentáveis, como os modos ativos, os transportes públicos ou a mobilidade partilhada.

Em Itália, por exemplo, as empresas e organizações com mais de 100 trabalhadores e os municípios com mais de 50 mil habitantes estão obrigados a ter alguém dedicado com a função de gestor da mobilidade. O Governo italiano criou um fundo de 50 milhões de euros para apoiar esse trabalho.

Liderar pelo exemplo na Administração Pública no incentivo ao uso de modos de transporte sustentáveis
A Administração Pública deverá liderar pelo exemplo e promover e estimular o uso dos modos mais eficientes e sustentáveis em detrimento do automóvel particular. Deverá começar pela elaboração de um plano geral estratégico específico para a Administração Pública e liderando a elaboração de Planos de Mobilidade para grandes pólos atractores ou geradores de deslocações (ver ponto anterior) da Administração Pública Central e Autárquica.

Por exemplo, em Espanha, o ‘Plano de Poupança e Eficiência Energética da Administração Geral do Estado’ promoverá o uso do transporte público e prevê a instalação de estacionamentos seguros para bicicleta em todos os edifícios públicos com lugares de estacionamento automóvel.

Criar um programa nacional de apoio ao desenvolvimento e implementação de Planos de Mobilidade Urbana Sustentável
Conforme a Comissão Europeia recomenda n’O Novo Quadro da UE para a Mobilidade Urbana’, o Governo deverá criar um programa nacional de apoio ao desenvolvimento e implementação de Planos de Mobilidade Urbana Sustentável (PMUS) por parte dos municípios portugueses, com um gestor do programa a nível nacional.

Este programa deverá conter medidas jurídicas, financeiras e organizativas para ajudar a reforçar as capacidades e implementar PMUS em conformidade com as orientações europeias, com prioridades claras para favorecer soluções sustentáveis, incluindo transportes públicos, coletivos e ativos, e a mobilidade partilhada.

Adaptar edifícios para a mobilidade sustentável
O fácil acesso a estacionamento é um fator determinante nas escolhas individuais de mobilidade, aplicando-se tanto à bicicleta como ao automóvel. Em habitações unifamiliares, o uso do carro tipicamente representa cerca de 50% do consumo energético global (mobilidade e edifício); em habitações com maior eficiência energética ou em blocos de apartamento, essa proporção é ainda maior.

A legislação nacional sobre desempenho energético de edifícios – como já acontece no que se refere a infraestruturas e pontos de carregamento de automóveis eléctricos – deverá passar a contemplar espaços dedicados para o parqueamento de bicicletas, conforme a proposta de Directiva Europeia Relativa ao Desempenho Energético dos Edifícios. Deverão, também, ser criadas instruções para reverter a política de exigir requisitos mínimos de estacionamento automóvel nos instrumentos de gestão territorial e sejam estabelecidos limites máximos. Os programas de apoio à eficiência energética em edifícios (Componente C13 do Plano de Recuperação e Resiliência) deverão apoiar a instalação de parqueamentos para bicicletas e outros equipamentos de apoio à utilização de velocípedes.

3. Notas finais
Em 2021, a MUBi lançou dois Manifestos, que anexamos a este documento, cada um com 10 medidas prioritárias, às escalas nacional e local, para mudar o paradigma da mobilidade, priorizando as deslocações a pé e em bicicleta, o transporte público e os sistemas de mobilidade partilhada, em detrimento da utilização do automóvel individual.

A bicicleta é o meio de transporte energeticamente mais eficiente e, a seguir ao caminhar, o que menos emissões produz. Apoiar e estimular o uso dos modos ativos é uma das formas mais rápidas, económicas e eficientes de contribuir para os objetivos de redução do consumo energético e de emissões no setor da mobilidade e transportes, com numerosos outros benefícios ao nível da saúde pública e qualidade de vida urbana.

Muitas das medidas atrás apresentadas são também recomendadas por organizações como a Agência Internacional da Energia (‘A 10-Point Plan to Cut Oil Use’), a Transport & Environment (‘How Europe can cut a third of its oil demand by 2030: Short, medium and long term solutions’) e a Comissão Europeia (‘Playing my part: Key energy saving actions’e o já referido ’Plano da UE «Poupar Energia»’, Fig. 1).

 


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