O código do camião do futuro já está na forja
Daimler Trucks anuncia uma revolução em parceria com a Volvo
A associação de Gottlieb Daimler a Karl Benz constitui um marco na história da locomoção automóvel, mas o gigante industrial legado por aqueles dois quer voltar a escrever história, agora no domínio dos transportes de mercadorias. Depois de ter concluído que o longo curso está entregue aos veículos sem emissões, a bateria elétrica e a hidrogénio - o eActros 600 (Camião do Ano 2025) vai iniciar a produção em série em novembro -, na véspera do início do IAA, em Hanover, os seus responsáveis anunciaram que mais do que prosseguir a inovar, hão-de revolucionar com a integral digitalização do camião do futuro. O código revolucionário já está na forja e vai ser feito com a ajuda do Grupo Volvo.
O IAA Hanover acabou por não ser uma exposição de novidades absolutas, pois ninguém as consegue guardar até ao momento certo, crentes da comunicação antecipada. No entanto, ainda houve quem proporcionasse o reveal de alguns modelos - como foi o caso da Daimler Buses, que apresentou o eCitaro K, mais curto, para ser mais ágil em circuito urbano. Tudo isto em sete dias de exposição sem paralelo, descrita como uma edição de recordes, em número de expositores e de visitantes.
O Mercedes-Benz eActros 600 elétrico a bateria foi o maior destaque da Daimler Truck, o pesado de longo curso, altamente eficiente e comprovado pelo júri do Truck of the Year, com a eleição de Camião do Ano 2025, e que terá produção em série a iniciar no final de novembro. Para alimentar o seu desejo de contribuir para a descarbonização do setor dos transportes, anunciou igualmente a nova marca TruckCharge para infraestruturas elétricas de carregamento de camiões, como forma de impulsionar o momento da transição energética.
Hidrogénio, BEV e combustão interna
Que também passa pela solução hidrogénio. O Actros GenH2 Truck, que já foi capaz de percorrer mais de mil quilómetros sem carregamento intermédio, teve lugar de destaque. Sem esquecer a combustão interna, que continua a ser necessária. Mas a Daimler Trucks tudo tem feito para a otimizar, tornando-a mais limpa e eficiente. Com o aerodinamismo da ProCabin, os resultados são entusiasmantes: 3% de melhoria de consumos de gasóleo apenas com tal artifício, havendo outros ganhos a atribuir à nova transmissão. A produção em série do Actros L terá início no final do ano.
E de novo os veículos BEV, como a Mitsubishi FUSO, integrada no universo empresarial da Daimler Trucks. Ao eCanter, fabricado no Japão e no Tramagal, foi dado grande enfoque, numa nova geração que parece ter encontrado uma grande vocação como veículo de recolha de resíduos, ainda que possa ser apresentado em 100 aplicações diferentes, com 200 km de autonomia.
Em estreia mundial surgiu o novo autocarro urbano Mercedes-Benz eCitaro K, elétrico a bateria, compacto, com carroçaria de 10,6m e com uma distância entre eixos mais curta, permitindo um raio de viragem de apenas 17,2m, que comporta 84 passageiros e com autonomia de 300 km.
A revolução digital
Mas ainda estava reservado um outros anúncio - “O Camião do Futuro”, descrito como um veículo definido por software, a próxima revolução tecnológica. É uma visão da Daimler Truck para veículos altamente inteligentes, “um salto quântico em termos de segurança, conforto e eficiência”, como disse Andreas Gorbach, responsável pela tecnologia da Daimler Trucks, acrescentando que irá ser constituída uma empresa com a Volvo para escrever o código do camião do futuro, que surgirá em 2035.
Segundo Gorbach, é concebível que o veículo reconheça os perigos muito antes de os humanos o conseguirem fazer. Além disso, pode assumir tarefas administrativas e de documentação, ou reservar lugares de estacionamento e de carregamento, bem como pré-encomendar a refeição preferida do condutor. Tais aplicações podem transportar os condutores em forma virtual de volta à mesa de jantar da família.
As capacidades de computação de alto desempenho tornam possível que grandes quantidades de dados - como a topografia, o tráfego ou os preços da eletricidade e do hidrogénio ao longo da rota - sejam analisados em tempo real e otimizados no veículo de forma contínua.
Passagem de testemunho
A presença conjunta de Martin Daum e Karin Rådström na noite dos media tem um significado especial. Tal como a empresa anunciou no início de setembro, o Conselho de Supervisão da Daimler Truck Holding nomeou Karin Rådström como a nova CEO da empresa a partir de 1 de outubro de 2024, e até 31 de janeiro de 2029. Sucederá a Martin Daum, que simultaneamente deixará o cargo de diretor executivo, após longos anos de comando e de inovação, depois de ter começado, como recordou, com os Unimog.
Martin Daum permanecerá como membro do Conselho de Administração até 31 de dezembro de 2024, a fim de apoiar uma transição harmoniosa. Karin Rådström continuará a ser responsável pela Mercedes-Benz Trucks até que a sua sucessão seja decidida. E mais que palavras, deixou uma promessa: honrará o legar de Daum, com uma atuação verdadeira e transparente, sempre com respeito pelo ambiente.
Mesmo em momento de transição, Daum não deixou de lançar um repto ao Governo de Berlim e à Comissão Europeia: não basta impor medidas à indústria, é preciso incentivar a criação de uma verdadeira rede de carregamento público de energia elétrica e de hidrogénio para os transportes rodoviários. E com isto expôs número dramáticos: existem nas estradas europeias 600 estações de carregamento elétrico e de hidrogénio para camiões, quando necessitaremos, até 2030, de 35 mil daquelas estações.
As Van vão a hidrogénio
As Van são cada vez mais elétricas e com o desaparecimento das versões diesel, começa a chegar o hidrogénio. Em Hanover, duas casas europeias surgiram com modelos alternativos, ambas com tecnologia de célula de combustível a hidrogénio - a Renault, com a Master, apresentada horas antes de ser eleita a “Van do Ano 2025”, a Opel, com a Movano. Também a Volkswagen Veículos Comerciais primou com uma estreia mundial: o novo Transporter, este como híbrido plug-in, totalmente elétrica, mas também a diesel.
A Renault, ainda com o protótipo, em parceria com a Hyvia, mas já a adiantar que se prefigura a produção e a comercialização na Europa no final de 2025, reclamando de imediato ser a melhor Van da classe, com 700 km de autonomia e 5 minutos de reabastecimento - dispondo de três para 9 kg cada -, e o Movano da Opel, nos mesmos 5 minutos pode encher o depósito de H2, ainda que o alcance se fique pelo 500 km.
E por falar em estreia, a VW apresentou o novo Transporter, e pela primeira vez, como veículo multiuso para profissionais, estará disponível, de fábrica, como híbrido plug-in e como veículo elétrico, além das opções tradicionais a Diesel. Será também lançada, juntamente com a sétima geração do Transporter, a nova Caravelle – o veículo VW entre os furgões. A estreia mundial no IAA marcou o início das encomendas para a maioria da gama.
Vem aí o Estafette
O Estafette, na tradução literal, Estafeta, nasceu com o boom do comércio eletrónico, a partir do início de 2020, que fez multiplicar por quatro o mercado dos LCV. Ora, este “corredor” urbano, ainda que concept car, mas com ordem de produção a iniciar em 2026, terá coração elétrico, utilizará a nova plataforma FlexEVan, desenvolvida pela Renault com os seus parceiros da Flexis, para construir a sua visão do próximo veículo utilitário de sonho, 65 anos após o Estafette ter revolucionado o universo dos furgões. Ficou a promessa que, em breve, a Renault fará mais luz sobre este assunto.
MAN - A estreia do eTGL
Esteve no centro das atenções no espaço da MAN, o novo eTGL, um rígido para a logística de urbana e regional de mercadorias. Apresentado online à imprensa especializada a breves dias do início do IAA de Hanover, este camião elétrico a bateria de 12 toneladas, com carga útil de até 6600 kg, completa o portefólio de camiões elétricos para distribuição da MAN.
Equipado com motor elétrico de 210 kW (285cv) de 800 Nm de binário, e com uma bateria de 160 kWh, dispõe de autonomia até 235 quilómetros sem carregamento intermédio e pode ser reabastecido com carga total - com carregamento rápido a 250 kW - em cerca de 30 minutos.
O eTGX 6x2 apresentado na IAA, com capacidade útil de 560 kWh, e por acréscimo com uma sétima bateria de alta tensão, o que resultaria numa autonomia de cerca de 650 km, seria o veículo com maior destaque no stand da marca, não tivesse sido o hTGX (hidrogénio) destacado pelo júri do Camião do Ano como o vencedor do prémio Inovação em Camiões. Ainda protótipo, está equipado com um motor a combustão a hidrogénio que gera 520 cv e 2.500 Nm, a partir de um bloco de 16,8 litros de capacidade. Com tanques de alta pressão de 700 bar com capacidade para 56 quilos de hidrogénio permitirá autonomias de até 600 km, o que corresponde a um consumo de cerca de 9,33 kg/100 km. O hTGX será entregue a partir de 2025, inicialmente numa pequena série 200 veículos para alguns clientes na Europa.
IVECO - Dois novos trunfos
Impulsionar a transformação dos veículos de transporte continua a ser o mote da IVECO, que mostrou em Hanover duas novidades da sua estratégia multi-drive, apoiado por um ecossistema crescente de parceiros, dos quais se destaca a Hyundai.
Com exposição de veículos de acionamento alternativo, a HVO e biometano, elétrico a bateria e movidos a hidrogénio também em exibição, a IVECO mostrou logo no primeiro dia a nova série S-eWay Rigid, com chassis multifuncional em configurações 4x2 e 6x2, tornando-o mais versátil para aplicações urbanas e regionais, da mesma forma que o conjunto energético é escalável para se adequar ao uso pretendido.
A partir do módulo básico de 70 kWh, o rígido S-eWay está disponível com 280, 350 ou 490 kWh. Há diferentes cabines disponíveis, tal como suspensões e distâncias entre eixos. Com a bateria de 490 kWh, a autonomia total deve ser de até 400 km e
com uma pausa para carregamento de 45 minutos, o alcance pode ser estendido em 200 km. A operação do reboque também é possível até um peso bruto do veículo de 44 toneladas.
Bem mais ligeiro, o veículo comercial elétrico desenvolvido com a Hyundai, o eMoovy, também fez a sua estreia. Com motor de 160 kW, pode equipar baterias de 63/76 kWh, e tem autonomia de até 320 km, podendo recarregar para mais 100 km em apenas 10 minutos. Uma conexão V2L também permite que dispositivos externos sejam carregados.
VOLVO - Vem aí o elétrico para 600 km
Para os mercados norte-americano ou europeu, a diesel ou a hidrogénio, foi a motorização elétrica que monopolizou as atenções no espaço da Volvo, embora os olhares tendessem a cair para o VNL 860, um imponente “americano” de combustão interna. A gama mostrada foi imensa e ficou a promessa da chegada, no próximo ano, de outro elétrico FH, mas com autonomia para 600 km. Mas o destaque centrou-se no novo FH16 Aero 780 com cabina XXL, em testes com célula de combustível.
A Volvo Trucks também promoveu na exibição o novo eixo elétrico e foi dito em conferência de imprensa pelo seu CEO, Roger Alm, que a marca está fortemente empenhada em dotar a Europa de infraestruturas de carregamento e a promover a construção de 1700 estações de carga. A descarbonização é a palavra de ordem, pelo que também foi anunciado que a marca passará a utilização processos e materiais “verdes” no fabrico das suas unidades.
FORD - Ecotorq H2 em testes
A Ford Trucks mostrou o recém-melhorado F-MAX, na sua versão Select, de produção reduzida, também uma unidade a HVO, e a nova linha F-Line, tendo dado particular destaque ao novo motor Ecotorq H2, que alinha com o seu objetivo de um futuro de emissões zero.
A marca prossegue com os estudos e ensaios com motores a hidrogénio, que começaram no ano passado com um motor monocilíndrico de investigação, mas que obteve sucesso com a primeira ignição do motor a hidrogénio, Ecotorq H2. Com resultados bem sucedidos nos testes iniciais, as equipas continuarão a trabalhar na otimização do sistema e no desenvolvimento deste motor. O veículo 100%, também anunciado no ano passado, e cujo protótipo já passou por Portugal, está previsto chegar às estradas em 2025.
DAF - Linhas completas
A DAF revelou uma série de novos recursos para as gamas XD, XF, XG e XG+ de nova geração, preparados para funcionar com biodiesel HVO, o que reduz as emissões de CO2 em mais de 90% em todo o ciclo de vida, sendo que as versões que funcionam com biodiesel B100 Fame estarão disponíveis no início do próximo ano. Mostrou linhas completas e motorizações mais frugais e eficiência no capítulo da segurança e para o conforto dos operadores, em combinação com a aerodinâmica. Com uma ampla variedade de ADAS, a eficiência de combustível pode ser melhorada em até 10%. O sistema de transmissão tem agora novo controlo de válvula do motor, uma bomba refrigerante com acionamento duplo e um compressor de ar de 2 cilindros acoplado. A DAF também reviu os sistemas de turbocompressor e EGR.
As inovações no eixo traseiro SR1344 incluem um novo design de pinhão que promete maior resistência e durabilidade. Além disso, suporta a mais alta potência nominal do PACCAR MX-13 de 390 kW (530 hp). De acordo com a DAF, a otimização da transmissão e do motor leva a uma rotação do motor 7% menor em velocidade contínua (950 em vez de 1.030 rpm).
Para otimizar ainda mais a eficiência dos caminhões, o equipamento de série inclui ainda pneus com menor resistência ao rolamento e Cruise Control Preditivo, que, segundo a fabricante, reduz o consumo de combustível em 6%.
RENAULT - Tudo elétrico
Coube à Renault Trucks Alemanha representar a marca no IAA com três veículos, através da Milence, a joint-venture do Grupo Volvo, do Grupo Traton e da Daimler Truck, da MEILLER e da Junge Fahrzeugbau, todos elétricos e aptos para diferentes segmentos.
O E-Tech T "Diamond Echo" - com acabamento de pintura luminescente inovador que brilha sob impulsos elétricos, visualizando o futuro da mobilidade elétrica - esteve a cargo da Milence, e a celebração da estreia do primeiro E-Tech C com o sistema hidráulico basculante ocorreu com a MEILLER. Na Junge Fahrzeugbau exibiu-se um E-Tech D com caixa fechada.
"Estou muito satisfeito por estarmos representados com parceiros com três veículos totalmente elétricos e por estarmos a lançar a nossa inovadora solução de aluguer Vertellus", disse Frederic Ruesche, diretor geral da Renault Trucks Alemanha, que não deixou passar o facto de a Renault Trucks ser “o primeiro e único fabricante a oferecer todos os segmentos totalmente elétricos – gama completa."
SCANIA - Transporte verde
A Scania apresentou grande variedade de camiões, desde modelos elétricos de longa distância até caminhões a diesel ecológicos. E novos serviços também estiveram no centro das atenções.
Lá estavam o lendário diesel V8 e o trator com capacidade de bateria não inferior a 728 kWh, só possível através da instalação de uma quinta bateria sob a cabine. Segundo o fabricante, o alcance dispara para 530 km. No capítulo de desempenho, o sistema de transmissão EM C1-4 no camião de exposição fornece 400 kW, que são transmitidos às rodas através de uma caixa de velocidades de quatro velocidades.
Um camião a gás também esteve no centro das atenções, um R 460 que pode ser alimentada com biogás comprimido (CBG) e biogás liquefeito (LBG). Isso significa que ele pode reabastecer em qualquer posto de gasolina e, de acordo com a Scania, reduz as emissões de CO2 em até 90% durante a condução. O Scania R 460 - o "Camião Verde" com um motor diesel de seis cilindros em linha de 460 cv, representa a máxima eficiência de combustível. Este mesmo caminhão é o atual vencedor do teste de comparação Green Truck.
As soluções digitais também visam facilitar a vida dos clientes. O novo Scania ProDriver, por exemplo, foi desenvolvido por motoristas para motoristas. A divertida ferramenta de treino digital ajuda os motoristas a desenvolver hábitos de condução sustentáveis, o que pode levar a uma redução no consumo de combustível de até 5%. A partir de 2025, todos os novos veículos Scania com motores de combustão serão entregues com o ProDriver, mas a ferramenta também está disponível para frotas de veículos existentes.
Carlos Branco
In Eurotransporte #142