O fim do diesel?
Quem pergunta é António Macedo, no «Consultório de Segurança»
Na semana em que a Bosch informa ter desenvolvido um sistema que permite emissões de 13 miligramas de NOx (óxidos de nitrogénio) por quilómetro, uma grande parte dos construtores já decidiu abandonar os motores Diesel e passar a fabricar apenas motores a gasolina, híbridos e eléctricos já a partir de 2022.
Os motores Diesel, apesar de serem mais eficientes do que os equivalentes a gasolina e de terem menores emissões de CO2, emitem mais gases poluentes, em especial os NOx1 e as partículas. Segundo os técnicos, os óxidos de nitrogénio são os maiores causadores da poluição actual, pois provocam as chuvas ácidas e promovem a formação do smog químico (conjugação das palavras inglesas “smoke” e “fog” que significa “nevoeiro de fumo”) pelo que a União Europeia legisla e promove a redução ou anulação destas emissões nocivas.
Parte do problema nasceu após o escândalo VW e reside no facto de que o NDEC, ciclo de testes laboratoriais para avaliação de emissões e consumos dos veículos automóveis em vigor desde 1997, já não era fiável e depressa se percebeu que:
- Os testes que até então se realizavam em laboratório, não eram realistas, pois não avaliavam de forma consistente o funcionamento de um motor e, consequentemente, o seu consumo e as emissões resultantes, em ambiente de utilização normal.
- A actual tecnologia automóvel já tinha dificuldade em atingir os objectivos da redução de emissões e consumos legalmente impostos pela norma Euro 6 em vigor, que tem como objectivos para 2020 a redução das emissões de partículas e óxidos de azoto (NOx), cujo limite nos Diesel passará de 180 mg/km para 80 mg/km.
Para alterar o sentido das coisas nas estradas europeias, entrou em vigor a 1 de Setembro de 2017 um conjunto de novas regras para substituir o NDEC pelo RDE (real driving emissions)2, um novo modelo de teste que, para além do laboratório, obriga à realização de testes reais numa extensão aproximada de 60km com uma duração de cerca de 90 minutos, sendo paralelamente implementadas melhorias nos testes em laboratório, obrigatórios antes dos cidadãos os poderem conduzir.
Como referi, muitos construtores já decidiram abandonar a produção de motores Diesel, ruidosos e fumarentos, e dedicar-se ao desenvolvimento de opções de base eléctrica, híbrida e voltar ao velho motor a gasolina. A opção eléctrica traz inúmeros benefícios à luz das actuais políticas ambientais e, para os países não produtores de petróleo, com economias muito dependentes desta forma de energia, a electricidade, vinda sobretudo de fontes renováveis como a hídrica, eólica e solar, parece ser uma óptima notícia.
Mas esta energia «verde» tem um lado negro, pois nalguns países europeus a electricidade usada para carregar as baterias dos automóveis provem de centrais nucleares ou ainda de centrais termoeléctricas de produção com base no carvão ou derivados do petróleo.
O abandono do gasóleo deixa de destaque, quer ao nível da motorização base quer como complemento à solução híbrida. Algumas marcas apostam nos veículos híbridos, com motores a gasolina, permitindo apenas nalguns momentos que o seu movimento dependa da energia eléctrica produzida através da regeneração da energia do movimento do veículo, nas descidas e em desaceleração ou em travagem, dando apoio ao motor a gasolina aumentando o binário disponível nos arranques e em momentos de maior esforço, ajudando a reduzir o consumo total de combustível, e por essa via, a reduzir o consumo médio e as respectivas emissões.
Mas se considerarmos que em Portugal, aos preços actuais, a gasolina custa por litro cerca 20 cêntimos mais do que o gasóleo, ou seja um custo cerca de 15% superior por litro e que para um veículo de cilindrada equivalente à versão Diesel o consumo em litros pode ser outros 15% superior para uma mesma distância percorrida, vemos que o custo final da energia consumida por um veículo a gasolina pode ser 30% mais elevado. Este factor, que obviamente poderá alterar-se nos próximos anos, pode no futuro afectar este raciocínio. Por este e outro motivos, vejo o futuro do automóvel particular de uma forma diferente daquela que temos hoje. O paradigma de «ter um carro» num país como Portugal, mal servido de transportes públicos, com uma das mais baixas taxas de veículos de transporte público disponíveis por milhar de habitantes da Europa (menos de 2 veículos por cada 1000 habitantes)3 e com uma dispersão habitacional que nos leva aos primeiros lugares na taxa de motorização por milhar de habitantes – cerca de 1 veículo por cada 2 habitantes, iremos passar para a solução de mobilidade particular. A capacidade de escolha do modo de «ir» irá substituir o «carro na garagem ou estacionado à porta de casa à espera de ser usado ao fim-de-semana».
A partilha de veículos é uma das soluções apontadas, outra é o uso de viaturas diferenciadas ou de meios de transporte diferentes, durante a semana, em função das necessidades particulares. Por exemplo, o uso de um pequeno utilitário eléctrico para os dias de semana e de um modelo familiar com maior autonomia para os fins-de-semana e férias.
Sem querer fazer futurologia, antevejo que muito em breve as empresas, responsáveis pela maior fatia de aquisição de viaturas novas no nosso mercado, comecem a avaliar o perfil de utilização de cada colaborador e a promover soluções de mobilidade adaptadas a essas necessidades, ao contrário do que actualmente sucede, em que a maioria das frotas disponibiliza uma tipologia de veículo para todo o grupo de colaboradores com uma mesma função ou categoria profissional. E mesmo os compradores particulares terão muito em breve aplicações que lhes permitam «escolher» a motorização, a marca e o modelo mais adequados ao seu perfil de utilização, aos seus gostos, às suas necessidades corporativas e particulares e com um menor custo financeiro e ambiental.
Artigo originalmente publicado na edição n.º 104 da Revista Eurotransporte
1 Inclui o óxido nitroso (N2O) e o óxido nítrico (NO) que contribuem para a redução da camada de ozono e o dióxido de nitrogénio (NO2) um gás extremamente tóxico e irritante presente no vapor d’água e responsável pelas chuvas ácidas.
2 O RDE deve ser efectuado em ambiente rodoviário real com altitude até 700m, com uma temperatura do ar entre 0º e 30º e incluindo um mínimo de 16 km por tipologia de percurso, correspondendo a cada percurso cerca de um terço da distância total do teste, tendo o percurso de condução urbana que incluir mais de 10 paragens sem ultrapassar os 60km/h, podendo no percurso de estradas rurais atingir velocidades até 90 km/h e no percurso em auto-estrada uma velocidade até 145 km/h.
3 Fonte: Eurostat Transport 2014