Desafios das frotas: Micromobilidade das empresas
A mobilidade eficiente foi um conceito técnico que entrou no dicionário das empresas sobretudo através da vertente da motorização eléctrica das frotas.
Foi com as exigências da directiva 2012/27/UE e do SGCIE relativas à eficiência energética e à redução das emissões de CO2 (pegada carbónica), acompanhada pela disponibilização no mercado automóvel de uma gama cada vez mais vasta de viaturas de passageiros e de mercadorias de motorização eléctrica ou híbrida (estas conformes às exigências do WLTP) aplicáveis às diversas vertentes da actividade económica e comercial, que se catapultou a “mobilidade sustentável” para uma das prioridades de qualquer gestor de frota.
Prevejo que em breve o gestor de frota terá uma nova denominação; “gestor da mobilidade”.
De acordo com um estudo de 2008, a mobilidade dos trabalhadores das empresas é efectuada em 66% por automóveis (a gasolina e gasóleo), 15% por comboio, 13% por autocarro e os restantes 16% de metro, barco, motociclo e a pé ou de bicicleta, representando esta “fatia” apenas 7%. E segundo o Eurostat, Portugal fica em segundo lugar na utilização do automóvel particular, onde 88,4% das pessoas utilizam o carro privado para viajar.
Por outro lado, ao nível empresarial, a relação entre o colaborador e a manutenção das soluções técnica e ecologicamente ineficientes, mas ainda baratas, têm levado a maioria dos gestores de frotas a manter o “carro de serviço”, de estatuto, e usado de forma mista como ferramenta de trabalho, em especial na maioria das atividades ligadas aos serviços e vendas, e como benefício de estatuto também para uso particular.
A exigível mudança de paradigma está muito presa e limitada às exigências dos colaboradores e à cultura do automóvel particular, bem como às necessidades de utilização em situações pontuais extremas, no uso profissional e privado. Se, por exemplo, um colaborador tem de efectuar pontualmente viagens de longa distância, provavelmente quererá ter, ou a empresa procurará disponibilizar-lhe, uma viatura da gama média ou superior, a gasóleo, para que possa efectuar essas deslocações quando necessário e lhe for conveniente, de forma segura e confortável. No entanto a maioria das necessidades de deslocação desse colaborador podem até estar limitadas a deslocações diárias de percursos curtos, que, numa perspectiva “sustentável” ou eficiente, podem exigir outro tipo de transporte.
Poucas são as empresas e as actividades que tiveram a necessidade ou a coragem de sair “fora da caixa” e aderirem a novos e diferentes modelos de veículos, alguns enquadrados no conceito da micromobilidade, para atingirem os seus objectivos profissionais e ecológicos.
A micromobilidade pode ser um complemento ou uma alternativa ao automóvel particular, se incluída no carro ou disponibilizada em troca deste em determinados contextos. Por exemplo, um colaborador que tenha de efectuar distâncias elevadas, porque habita longe do local de trabalho, pode ter um meio de micromobilidade na bagageira para poder estacionar o seu carro num local grátis e de fácil estacionamento, fazendo o “último quilómetro” com uma trotineta eléctrica ou minibicicleta dobrável… Outro exemplo, para empresas situadas dentro da malha urbana, pode ser a disponibilização de micro veículos de uso partilhado para deslocações de proximidade.
Não querendo esquecer ou menosprezar nenhuma empresa em particular, nem qualquer um dos múltiplos projectos que diariamente vão sendo desenvolvidos nesta área da mobilidade, o mais antigo exemplo que conheço é o da frota dos CTT, que desde há anos tem evoluído para pequenas viaturas elétricas monolugar de 2, 3 e 4 rodas.
Basta observar a última edição desta revista (Eurotransporte n.º 120) para constatar a importância deste tema pelo número de notícias e de informação relacionado com a micromobilidade, e compreender o peso que este novo meio vai tendo na deslocação das pessoas. O conceito de micromobilidade envolve monociclos e “segways”, trotinetas, skates, scooters e bicicletas eléctricas, triciclos e quadriciclos de motorização eléctrica, normalmente com apenas um lugar - do condutor!
O argumento que para a maioria das empresas inviabiliza a utilização de motorizações eléctricas tem sido a autonomia, a escassez de pontos de carregamento e os tempos de abastecimento. No entanto, actualmente estas “desculpas” vão fazendo cada vez menos sentido, sobretudo se considerarmos que a micromobilidade pode ser definida pela utilização de um meio de transporte individual para pequenos trajectos, especialmente em ambiente urbano ou interurbano de curta distância. Qualquer veículo destes tem autonomia para pelo menos 20 kms, e carrega a bateria em qualquer tomada de parede.
Ainda por cima, este ano o estado paga às empresas que pretendam adquirir bicicletas eléctricas, até 50% do preço no máximo de 350€ por cada veículo, aplicável até 4 bicicletas. Por isso não tem argumentos para não aderir à micromobilidade.
Mesmo excluindo as razões ambientais e ecológicas, muitas vezes incluídas no foro da moral e da cidadania, caso queiram ver o problema apenas pelas facetas da eficiência técnica e económica, bastará fazer algumas contas (poucas) para verificar que para muitas das deslocações em contexto de trabalho ou até olhando ao aspecto dos “fringe benefits”, vale a pena incorporar novos modos de micromobilidade na empresa.
Faça apenas as contas aos custos e às dificuldades no estacionamento, e nos incómodos e falta de qualidade de vida que causa, ou no espaço de garagem que hoje a empresa possui ou paga para o parqueamento das viaturas dos colaboradores, e some-os ao TCO da frota. Compare o custo de estacionamento anual de uma bicicleta eléctrica (ou sem ser eléctrica) face ao custo diário do lugar de um automóvel, da área que ocupa no parque ou na garagem, dos custos com parquímetros, multas de estacionamento e, em limite de azar, o bloqueamento ou o reboque. Já para não falar dos custos da energia consumida nas pequenas deslocações, considerando que o consumo médio de um veículo pode ser 3 a 4 vezes mais elevado nos primeiros 5 kms de uma deslocação com o motor a frio.
E quanto à segurança, será a micromobilidade segura?
Com o incremento da utilização deste tipo de veículos, muito por força da sua utilização por turistas (falamos da época pré-pandémica) e por jovens e estudantes, em especial nas áreas de maior densidade urbana, vamos tendo de quando em quando notícias de acidentes, sobretudo colisões, entre veículos automóveis e estes micro veículos e atropelamentos de peões por eles causados. Em Portugal, em 2019, foram registados 74 acidentes com trotinetes com 10 atropelamentos, 44 colisões e 10 despistes. Aumentada a rede de circulação e o número de veículos e utilizadores, tenderá com certeza a aumentar o número de acidentes e de vítimas, se se mantiver a integração de alguns destes veículos com o espaço automóvel ou pedonal.
Paradoxalmente, até há pouco, apesar de o código da estrada prever a necessidade de uso de capacete nos velocípedes e trotinetas eléctricas, a fiscalização foi suspensa por ordem da ANSR, fechando-se os olhos a este aspecto de segurança, por receio de desmotivar o uso deste tipo de veículos. Mas neste, como noutros problemas, parece que o Estado só tem 2 soluções, o oito ou o oitenta. As regras deviam diferenciar estas viaturas em função da sua velocidade máxima quanto à utilização de capacete pelos seus condutores. Refiro-me apenas a veículos com motor e que atinjam velocidades acima daquela que uma bicicleta de pedal atinge em circulação moderada, diria entre 15 a 20 km/h. Não mais! Daí para cima, já a velocidade não é compatível com peões e anda mais próxima das motos e dos automóveis. Por isso, circular a 25 km/h numa pista onde também circulam trotinetas e bicicletas a pedal, e onde circulam peões, é como ter numa auto-estrada carros a circular a 70 e outros a 120, é receita para o acidente.
Por curiosidade, efectuaram-se testes de colisão de trotinete contra peão e de trotinete contra automóvel a apenas 25 km/h, e os resultados foram assustadores! Em especial na colisão com o veículo, os traumatismos provocados no condutor da trotinete e no caso do atropelamento, os danos provocados nos peões.
Segundo os dados estatísticos referentes a este tipo de sinistralidade, um terço dos condutores de trotinete envolvidos neste tipo de acidente, indivíduos com idades compreendidas entre os 25 e os 36 anos, sofrem traumatismos crânio encefálicos, mas os danos mais graves ocorrem nos peões atropelados. Causas principais? Não usar capacete ou circular em vias principais de elevado volume de tráfego automóvel.
Duas notas finais:
I - Que não sirva esta reflexão acerca da sinistralidade com este tipo de veículos, como argumento para não aderir à micromobilidade. Todas as actividades possuem risco, e este pode e deve ser controlado. Mais informação, formação e treino, e um contexto de circulação mais seguro são medidas a aplicar para reduzir o perigo, e as vantagens e os ganhos são substancialmente superiores. Não tenha receio, adira à micromobilidade!
II - Não sou a favor do uso obrigatório de capacete para qualquer meio de transporte não motorizado, com excepção do seu uso em velocidades elevadas, em contexto desportivo ou mais agressivo, como por exemplo se circula numa bicicleta de corrida, mesmo em treino, numa estrada com automóveis ou em modo de condução rápida numa BTT, fora de estrada.
Saiba mais em www.fundoambiental.pt
1- BSCD Portugal - Mobilidade urbana sustentável, 2008 – O impacte das empresas e dos seus trabalhadores