Números oficiais: Afinal quem tem razão?

«Consultório de Segurança», por António Macedo.

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Nos últimos anos, por altura das operações do Natal e Fim de Ano, quando muitos portugueses se fazem à estrada para visitar a família ou para irem de férias, escrevi neste espaço acerca dos êxitos (duvidosos) da redução e dos aparentemente bons resultados relativos à mortalidade rodoviária que a estatística oficial os ia apresentando. Na minha posição crítica construtiva, qual velho do Restelo, ia alertando para dois factos que não batiam certo com os números oficiais apresentados:

  • Os resultados estavam a melhorar durante um período em que o volume de tráfego tinha reduzido drasticamente, consequência da crise económica. Havendo menos veículos em trânsito e, porque o combustível estava caro, a circularem mais devagar, naturalmente diminuía o risco de acidente.
  • Apesar de o número absoluto de vítimas mortais diminuir, o número de acidentes reportados às autoridades aumentava ligeiramente, ano após ano, o que também me parecia estranho, apesar de saber que a cada ano que passa, os veículos são cada vez mais seguros na óptica da protecção dos ocupantes, o que pode per si justificar uma diminuição no número de vítimas. Mas havendo menos veículos em circulação (dados da entidades gestoras das infraestruturas rodoviárias) porque aumentava o número de acidentes com vítimas?
  • Sinistralidade Rodoviária

Ora neste final de ano, infelizmente, os números da sinistralidade rodoviária não foram tão favoráveis. Segundo os últimos dados reportados pela ANSR no final do ano, o número de acidentes aumentou de forma evidente e o número de vítimas também, contrariando a tendência que se vinha a sentir. Só até novembro de 2017 o número de vitimas e de acidentes já era mais de 5% superior ao registado em todo o ano de 2016.

No meu modesto ponto de vista, a justificação deste mau resultado pode atribuir-se à:

- Incorrecta e inconsequente comparação de valores absolutos da sinistralidade. Se num determinado ano houve menos vítimas de acidentes rodoviários não significa necessariamente uma diminuição do número de vítimas se considerarmos factores como a exposição ao risco. Relacionar os resultados, bons ou maus, com factores como os volumes de tráfego - número de veículos e quilómetros percorridos - em função dos critérios de comparação (género, idade, data e hora, etc.), o universo de utilizadores, viaturas, estradas, ou o cruzamento de dados provenientes de outras fontes como companhias de seguros, gestoras de frotas e de infra estruturas rodoviárias entre outros.

- Falta de avaliação cuidada e científica da eventual relação dos resultados da sinistralidade face à introdução de medidas legais e correctivas que são anualmente realizadas com o intuito de reduzir a sinistralidade rodoviária. Ou seja, avaliar qualitativa e quantitativamente a influência ou as consequências produzidas pelas alterações legais introduzidas, pelas campanhas de prevenção e segurança realizadas, pela intensificação dos meios de fiscalização utilizados, pela instalação de meios dissuasores para a redução do risco, radares, rotundas, lombas, semáforos, etc..

- Ausência de aplicação de medidas proactivas.
Sim, as entidades responsáveis pelo sistema, pela gestão e administração da prevenção e da segurança rodoviária são normalmente reativas, sendo necessário ocorrer uma calamidade para serem aplicadas medidas corretivas. Como diz o ditado, «casa roubada, trancas à porta!»

- O errado enfoque no número de vítimas mortais na avaliação da evolução da sinistralidade.

Sinistralidade Rodoviária

Efectivamente a diferença entre uma vítima mortal e um ferido grave pode ser… sorte! Se esse ferido não vier a falecer até 30 dias após o acidente e em resultado deste. Não me entendam mal, cada morte na estrada é uma fatalidade desnecessária e estúpida. Mas a solução passa tanto pela análise e compreensão das causas, numa perspectiva de justificação para a adopção de medidas correctivas, e por isso deve assentar na prevenção dos acidentes e não apenas na contagem das vítimas. Uma vítima é demais! E se o que causa as vítimas são os eventos a que chamamos «acidentes», então o que interessa é evitá-los, pois só assim se evitam as mortes.

E claro que podemos juntar a isto aqueles factores «evidentes» e reconhecidos como a falta de civismo e de formação dos condutores. Nos últimos anos os condutores de automóveis foram «promovidos», por meio meramente administrativo, a condutores de motociclos e, ao que parece, pode ser essa a explicação para o aumento do número de fatalidades com condutores de duas rodas.

Todos conhecemos e identificamos situações perigosas e pontos negros nas nossas estradas. Percebemos que muitas vezes através da implementação de medidas simples e pouco dispendiosas, se conseguem resultados imediatos e melhorias radicais. No entanto, muitas medidas tardam em ser tomadas e muitas só são tomadas quando atingem proporções catastróficas e frequentemente passa-se do oito para o oitenta com custos astronómicos e medidas desproporcionadas.

IP3, junto a Penacova. A meio de uma curva com visibilidade reduzida por nevoeiros frequentes, a sinalização vertical existente há vários anos como “provis&oa

Vem-me à memória o trágico IP5, onde morreram centenas de pessoas durante anos e onde a solução passou para se construir uma autoestrada. Em muitos países ricos da Europa, nunca uma via daquelas passaria a autoestrada, pelos custos que tal solução implica. Por cá fica a sensação de que para se resolverem os problemas é preciso que eles atinjam situações calamitosas para justificar depois despesas de milhões do erário público para resolver o que se poderia resolver de forma mais simples, mais barata e também eficaz. Atente-se ao famigerado IP3, uma via de acesso fundamental ao interior do país com enorme volume de tráfego e que há anos apresenta pontos negros e zonas de acumulação de acidentes e onde de vez em quando se vão aplicando remendos e medidas paliativas, aparentemente sempre na esperança que algum governante finalmente abra os cordões à bolsa (a nossa) e mande construir ali mais uma autoestrada em lugar de se proceder à introdução de medidas técnicas de redução da velocidade e de prevenção das manobras perigosas.

* Texto originalmente publicado na edição 102 da Revista Eurotransporte


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