Quando o trabalho é fora da estrada...
Leia o artigo de António Macedo sobre a formação necessária para fazer transportes especiais em off-road.
Nos últimos meses tenho dedicado grande parte da minha atividade como formador a profissionais que conduzem em trabalhos especiais.
Apesar de esta ser a minha vida há muitos anos, promover uma condução mais segura e eficiente, sobretudo para condutores e motoristas, a diferença é que estes profissionais a que me refiro conduzem em trabalho fora do normal ambiente rodoviário, a estrada.
Muitas profissões e atividades são realizadas em locais onde a estrada não existe e onde a única forma de acesso exige conduzir fora do alcatrão. Profissionais das minas e da prospeção mineira, da silvicultura e atividades florestais, da montagem e assistência de eólicas, do transporte e distribuição de energia elétrica ou gás, das telecomunicações, da construção civil ou obras públicas, entre muitas outras, utilizam e conduzem viaturas de tração 4x4.
Estas viaturas, preparadas para utilização em vias não alcatroadas, em percursos rurais, florestais ou montanhosos, normalmente com tração selecionável entre duas e quatro rodas, são sobretudo jipes e as pick-ups de serviço que exigem técnicas de condução diferentes da vulgar viatura ligeira concebida para circular em cidade, estrada ou autoestrada.
Neste ambiente fora de estrada, os riscos e as exigências são outras, não há estações de serviço nem sinalização rodoviária, ali não vai a assistência em viagem, não há filas de trânsito nem parques de estacionamento e o caminho está muitas vezes cheio de buracos. A somar a isto, as condições de circulação e de aderência são muitas vezes impróprias para circular com um automóvel e até, em muitos destes locais, nem a rede de telemóvel está disponível.
Muitas frotas empresariais - algumas de muito grande dimensão - são constituídas por este tipo de veículos que acarretam necessidades diferentes das habituais que incluem viaturas de função, comerciais, de distribuição ou de assistência técnica. Sendo viaturas que circulam em caminhos esburacados, pedregosos, enlameados, arenosos, escorregadios, densamente arborizados, lavrados, por vezes dentro de água ou debaixo da terra, com declives e obstáculos naturais intransponíveis para os vulgares automóveis, necessitam de um modo de condução adaptado a estes caminhos e de equipamentos ou extras que nem sempre os vulgares sistemas de leasing, ALD ou «renting» suportam ou desejam suportar; guinchos, estribos, bolas de reboque, caixas de carga especiais, reforços e proteções de chassis e de carroçaria, suspensões e pneumáticos reforçados, etc., etc. Para além disto, poucos anos de serviço numa viatura deste tipo podem significar uma viatura riscada, amolgada, esforçada para além do aceitável aonível da transmissão, do motor, da embraiagem, com interiores sujos, bancos e painéis deteriorados e muitos outros danos muitas vezes não identificáveis numa inspeção cuidada.
Mas as diferenças em relação às típicas e vulgares viaturas ligeiras de trabalho (em estrada) não terminam aqui, pois acrescem ainda colisões com pedras, árvores, avarias com sistemas de transmissão, da caixa de velocidades, da caixa de transferência, dos «cardans» e diferenciais, dos travões, dos sistemas de controlo de tração, dos escapes e outros por aí fora, que ocorrem nestes percursos fora de estrada, bem como a possibilidade algo frequente da viatura ficar imobilizada numa lomba, numa poça de lama ou no meio de uma ravina.
Por tudo isto, a formação dos condutores deste tipo de viaturas deve ser especializada, até porque na escola de condução ninguém nos ensina a engrenar as baixas ou a bloquear um diferencial, nem quando e onde o pode e deve fazer. Para uma condução eficiente destes veículos em ambiente «fora de estrada», é necessário conhecer as suas características técnicas, os recursos disponíveis, o seu uso e as suas limitações.
Há que conhecer as técnicas de condução a aplicar em cada local e situação e saber avaliar cada metro do caminho, que quando em conjunto com regras de proteção simples e com a execução de procedimentos de segurança, ajudam a manter estas viaturas em melhores condições técnicas e a reduzir o risco de avarias, danos e de «atascanços».
É também objetivo desta formação conhecer que recursos de apoio e resgate deve transportar, como usar esses equipamentos na recuperação duma viatura imobilizada ou «atascada», saber efetuar manobras de salvamento ou de primeira intervenção e conhecer técnicas de sobrevivência quando o «acidente» ocorre num local ermo ou isolado estando o condutor dependente apenas dele próprio e dos recursos disponíveis a bordo.
Durante estes muitos anos de trabalho com condutores destes, que conduzem fora de estrada, são inúmeras e infelizmente assustadoras as muitas histórias de acidentes, ferimentos e até de mortes que ocorrem pela prática de atos inseguros e pelo excesso de confiança ou pela falta de conhecimentos, de treino e de formação.
Afinal a segurança rodoviária não se aplica apenas à estrada, pois quando não há estrada, também tem de haver segurança.