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Por onde vai o passageiro?

12 outubro 2021

A utilização de qualquer serviço público é sempre condicionada por questões do tipo: Que serviços existem? Como lhes acedo? Como funcionam? Quanto custam?

Quanto mais imediatas, disponíveis e convincentes forem as respostas, maior será a atratividade, utilização e capacidade desses serviços, num círculo virtuoso que alimentará o seu desenvolvimento sustentado. No sentido inverso, o cenário será de definhamento, condenando-os à extinção ou a uma penosa sobrevivência artificial.

Como é que se enquadram, neste contexto, os serviços públicos de transporte de passageiros, tendo como pano de fundo a sua intenção de ganhar quota de mercado em relação ao transporte privado?
Tratando-se da necessidade de efetuar uma viagem de um ponto de origem até um ponto de destino, torna-se evidente que respostas limitadas a troços incompletos dessa viagem não são solução. Dada a existência de diversos modos de transporte, cada um deles com os seus próprios relacionais de disponibilidade, flexibilidade e custo, uma resposta efectiva resultará, no caso mais geral, da combinação de vários modos.

Esta constatação reforça a exigência das ferramentas colocadas nas mãos dos passageiros, para que estes consigam facilmente identificar as várias soluções disponíveis e seleccionar as que entenderem mais adequadas, segundo critérios muito objectivos, normalmente de horário, custo e comodidade (transbordos, lugares sentados, serviços complementares, etc.). A tecnologia dá aqui uma boa ajuda, tendo os planeadores de viagens atingido um elevado grau de sofisticação e de capacidade de otimização em tempo real das alternativas que detetam e propõem.

A barreira final a transpor é a de colocar o passageiro efetivamente a viajar. Para isso é necessário informá-lo sobre os procedimentos prévios à viagem (quantos menos, melhor) e, principalmente, dotá-lo da necessária autorização para o fazer. Aqui, as modalidades podem ser muito díspares: compra de bilhete no veículo ou em ponto de venda, emissão de cartão eventualmente personalizado, registo em serviço digital com associação de meio de pagamento, etc.

De tudo o que ficou dito, há um aspeto transversal incontornável: a integração. Integração dos modos de transporte e da informação a eles associada, sendo hoje um problema mais do foro organizacional do que das ferramentas disponíveis. Integração da aquisição e credenciação dos direitos de viajar (títulos de transporte), sendo esta uma área longe de estar comummente bem resolvida, embora com algum caminho já percorrido. E é aqui que actualmente incidem os maiores esforços de integração, podendo distinguir-se várias linhas de evolução.

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Numa primeira fase, os operadores como que cunhavam uma moeda própria, o que constituía um evidente obstáculo à integração. A primeira linha de evolução, hoje em dia já muito comum, foi a utilização de um mesmo título (suporte físico e credencial eletrónica) em vários operadores, uma espécie de Euro para os transportes, abrangendo normalmente uma região significativa, no âmbito intra/inter-municipal ou de uma área metropolitana, onde a intermodalidade passa a ser uma realidade.
Outra dimensão é a capacidade dos operadores deixarem de funcionar em circuito-fechado ("closed-loop"), centrados apenas na "moeda" que cunham, abrindo a possibilidade de trabalhar com outras "moedas", como as lojas que aceitam euros, libras e dólares. É o que se passa em Londres, com a possibilidade de apresentar um cartão bancário contactless directamente num validador, por exemplo a bordo de um autocarro, com zero complexidade tarifária para o passageiro gerir. Tem-se chamado a isto "open-loop" (por oposição ao tal "closed-loop") e é uma tendência de enorme potencial, se bem que ainda muito longe de se encontrar banalizada.

Todas estas dinâmicas deverão confluir nas ofertas multi-serviço, com uma visão muito eclética dos serviços de mobilidade, integrando transporte público, transporte privado e mesmo serviços complementares à mobilidade, como estacionamento, manutenção, seguros, etc. Estamos a falar de brokers de serviços, ou "meta-operadores", de que a Via Verde será um ténue exemplo, na medida em que se concentra no carro, embora com meritórias, mas por enquanto fugazes, incursões por serviços públicos, como o car-sharing e o transporte ferroviário ou fluvial. E a Via Verde continua a ser um dos melhores exemplos de integração de serviços de mobilidade a nível mundial, donde se pode concluir que a realidade do multi-serviço ainda se encontra numa fase muito embrionária.

Dentro do conceito de multi-serviço, a última fronteira que hoje se antevê é o chamado MaaS (Mobility-as-a-Service), em que são apresentados pacotes de mobilidade, à imagem do que fazem os operadores de telecomunicações. Retirando a incerteza do preço da equação da mobilidade, oferecem, com um custo fixo tipicamente mensal, conjuntos de serviços adaptados aos diversos perfis de necessidade.

O MaaS encontra-se numa fase ainda mais embrionária, limitando-se os casos práticos, atualmente existentes, à inclusão de modos suaves nos passes mensais de transporte público convencional, como é o caso do MobiCascais e da recentemente anunciada integração de bicicletas e trotinetas no passe Navegante em Lisboa. E, por esse mundo fora, não há nada de significativamente mais avançado.

Respondendo à pergunta do título, o passageiro vai para onde precisa ir, usando os meios que perceber como mais adequados para o efeito. Estará atento e vai optar pelas soluções mais fáceis de encontrar, perceber e utilizar. Fica a faltar o fator custo, campo privilegiado onde as entidades públicas podem intervir para induzir comportamentos mais eficazes e sustentáveis, fazendo parte integrante de um movimento global essencial para que o Homo Sapiens se mantenha como uma espécie viável

Manuel Relvas


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