Planeamento e Mobilidade em Vila Real
Por Adriano A. Pinto de Sousa - Vereador do Ordenamento do Território e Urbanismo e das Acessibilidades, Mobilidade e Transportes.
“Cidades vibrantes são mais seguras, levam-nos a comportamentos mais saudáveis e comprometidos civicamente, criam oportunidades económicas, incentivam soluções de mobilidade mais sustentáveis, constroem capital social e ligam as populações. Cidades com espaços públicos vibrantes são mais competitivas, atraindo e retendo talento.” (Charles Montgomery)
1 - ENQUADRAMENTO
Vila Real nasceu no século XIII, através da concessão de um foral pelo rei D. Dinis, e foi fundada numa espécie de promontório sobranceiro à confluência dos rios Corgo e Cabril, num sítio que recebeu a designação de Vila Velha. O seu desenvolvimento processou-se no sentido sul/norte, chegando, em meados do séc. XIX, ao local designado por Pioledo. A ponte metálica, construída no ano de 1904, veio facilitar a transposição das margens do rio Corgo, que até essa altura era feita apenas pela ponte de Santa Margarida. O ano de 1925 marcou a elevação da vila à categoria de cidade.
Os primeiros sinais que evidenciaram a necessidade de se planear o espaço urbano surgiram em 1950 com o primeiro anteplano de urbanização, da autoria do arquiteto João Aguiar. Nos anos 60, surgiu a segunda versão desse anteplano que se preocupou em tratar os novos espaços públicos, nomeadamente as novas zonas residenciais. Foi nessa altura que surgiram os primeiros edifícios de apartamentos. A partir da década de 70, a cidade sentiu uma grande pressão urbanística que obrigou à elaboração de uma terceira versão do anteplano de urbanização, que quase nada acrescentou relativamente à versão anterior, não acompanhando a velocidade dos acontecimentos.
A necessidade de transpor para a ordem jurídica interna diretivas da Comunidade Europeia fez com que a elaboração em massa de Planos Diretores Municipais (PDM) começasse a surgir no início da década de 90. Em 1993 entrou em vigor o PDM de Vila Real, que não evitou, por força da ausência de instrumentos de planeamento de ordem superior plenamente eficazes, que a cidade crescesse à custa de operações de loteamentos isolados. As consequências negativas mais visíveis, resultantes desta forma de crescimento urbano, estão patentes na fragmentação da cidade e na ausência de uma rede viária devidamente estruturada e hierarquizada. A segunda versão do PDM, aprovada em 2011, introduziu melhorias significativas, mas continuou a reclamar por um instrumento de planeamento de ordem superior que permitisse tratar a cidade e parte das freguesias peri-urbanas de uma forma mais eficaz e objetiva.
Entretanto, a cidade expandiu-se. Surgiram novas centralidades. Os novos equipamentos e serviços públicos optaram por se instalar fora dos limites iniciais da cidade. São exemplo disso o novo hospital, o campus da Universidade, o centro comercial, diversos equipamentos públicos de índole cultural e novas zonas residenciais. Na ausência de uma rede de transportes urbanos estruturada e apelativa, as pessoas elegeram o automóvel como modo de transporte dominante, hábito que se enraizou e chegou até aos dias de hoje numa percentagem para além do desejável, tendo em conta as debilidades da rede viária urbana.
2 – ARTICULAR E INTEGRAR DIFERENTES POLÍTICAS
Dezembro de 2004 marcou o início da exploração da nova rede de transportes urbanos da cidade de Vila Real. Um serviço composto por um conjunto de linhas ajustadas à realidade da altura e com uma frota de autocarros totalmente nova. Os vilarealenses manifestaram uma forte adesão a este novo modo de transporte, a ponto de, no quinto ano de exploração, terem sido largamente ultrapassadas as projeções da procura feitas para o horizonte dos 10 anos da concessão. Manda a verdade que se diga que muito do mérito residiu na visão e na competência do concessionário que foi moldando a oferta à procura, de modo a atrair cada vez mais clientes.
Mas foi a partir de 2013 que se assumiu a necessidade de se proceder a uma mudança estrutural no paradigma do planeamento e da mobilidade urbana, só possível de conseguir através da articulação entre políticas de planeamento urbano e uso-do-solo e políticas de mobilidade e transportes.
Apesar do sucesso da nova rede de transportes urbanos, Vila Real ainda registava uma taxa de motorização superior à média nacional, assente numa rede viária urbana que dava mostras de alguma saturação e que dificilmente poderia ser expandida, face à natureza consolidada da cidade e ao facto de os espaços canais possíveis estarem comprometidos com construções avulsas.
Não obstante o reconhecimento de se manter o automóvel integrado na cadeia da mobilidade, havia plena consciência do quão urgente era encontrar alternativas que ajudassem a mitigar os problemas já detetados e que dessem resposta às novas tendências emergentes relacionadas com o combate às alterações climáticas, com a opção por um modelo de mobilidade mais sustentável e com o propósito de contribuir para o processo de descarbonização das cidades. Tudo isto orientou para um novo modelo de mobilidade assente no transporte público e nos modos suaves.
A primeira decisão tomada foi a de dotar a cidade com os instrumentos e com os estudos necessários. Para o efeito, foram elaborados (1) o Plano de Urbanização da Cidade de Vila Real, (2) o estudo de tráfego e de circulação, (3) o estudo relativo à definição de uma política e de princípios de organização e de gestão do sistema de estacionamentos públicos na cidade e (4) o estudo da nova rede de transportes públicos do concelho, agregando os transportes urbanos, os interurbanos e os flexíveis.
Deste processo resultaram a aprovação do primeiro Plano de Urbanização da Cidade de Vila Real e o lançamento de dois importantes concursos públicos: a concessão da rede de transportes urbanos, interurbanos e flexíveis do concelho e a concessão do estacionamento público tarifado da zona urbana da cidade.
Em simultâneo, foram criados vários parques de estacionamento periféricos de utilização gratuita servidos pela rede de transportes urbanos, de modo a permitir às pessoas ali estacionar gratuitamente e aceder a pé ou de transporte público à zona mais central da cidade.
3 – O PLANO ESTRATÉGICO DE DESENVOLVIMENTO URBANO (PEDU)
O PEDU, orçado em 17,2 milhões de euros é, sem dúvida, o maior investimento em requalificação urbana alguma vez realizado em Vila Real em tão curto espaço de tempo, especialmente orientado para a requalificação do espaço público e para a promoção dos modos suaves. São cerca de trinta artérias a intervencionar, proporcionando uma rotura saudável com o paradigma até então vigente, através da criação de uma rede pedonal confortável e segura, articulada com algumas ciclovias devidamente conectadas com a ecovia do Corgo e com o campus da UTAD.
Este importante instrumento tem vindo a receber elogios por ter sido dos poucos, senão o único, que se preocupou em fazer a necessária articulação entre a requalificação do espaço público urbano e a requalificação do campus universitário.
Para além da requalificação das cerca de trinta artérias, importa realçar três projetos que poderão vir a constituir-se como referências futuras.
O primeiro, relativo à instalação de dois conjuntos de meios mecânicos (elevadores): um, destinado a vencer um desnível de cerca de 25 metros, ligando a Ponte de Santa Margarida, localizada à cota baixa, à Ponte Metálica, localizada à cota alta, abrindo novas perspetivas de mobilidade sobretudo à população idosa residente no Bairro dos Ferreiros; o outro, ligando a avenida Almeida Lucena à zona do Pioledo, permitindo vencer um desnível de 23 metros.
O segundo, relacionado com a obra de reabilitação integral da Avenida Carvalho Araújo. Procurou-se dotar este importante e nobre espaço urbano com uma imagem contemporânea e adequada às próximas décadas, preservando os valores patrimoniais em presença, realçando os valores que estavam esquecidos e substituindo os “não valores” pelos valores próprios do século XXI.
O terceiro, destinado a fechar a malha pedonal da cidade e aproximar o campus da Universidade ao centro histórico, referente à construção de uma ponte pedonal e ciclável sobre o rio Corgo, em betão armado e pré-esforçado, que unirá a zona da Vila Velha ao miradouro da Meia Laranja, ao longo de um vão de cerca de 330 metros,
4 - CONCLUSÃO
O trabalho que vem sendo realizado, nos domínios do planeamento urbano e da mobilidade e dos transportes, levará algum tempo a ser assimilado e a dar os seus frutos. Mais ainda quando pretende romper com o modelo tradicional instituído há décadas, assente num planeamento à custa da cidade dispersa e num tipo de mobilidade suportada essencialmente no transporte individual.
O sucesso desta estratégia não ficará completo sem a integração do layer tecnológico, próprio do século em que vivemos, cujo processo já se encontra em desenvolvimento.
Esta visão estruturada destina-se a estabelecer o desejável equilíbrio entre a afirmação de uma estratégia de curto e médio prazo capaz de consolidar a imagem de Vila Real como um município mais sustentável, com mais qualidade de vida, mais inteligente e mais amigo das pessoas.