Descarbonizar a indústria e os transportes
No parque industrial de Póvoa de Santa Iria, concelho de Vila Franca de Xira, a HyChem (antes denominada Solvay Portugal) posiciona-se como empresa especializada na química do hidrogénio e parceira estratégica na transição da indústria para a neutralidade carbónica.
É longa a história dos pioneiros industriais que precederam a HyChem, empresa que hoje produz hidrogénio verde e clorato de sódio. Na Póvoa de Santa Iria extraía-se sal, depois produziu-se soda, agora desenvolvem-se atividades de biotecnologia e de química sustentável. O hidrogénio resulta de um processo de eletrólise de salmoura, que teve início há quase 90 anos, mas que é verde agora, graças à energia captada num parque solarfotovoltaico, que, assim que concluída a segunda fase, terá uma potência total instalada de 14MW. Tudo na presença da água do Tejo, com a qual as instalações fazem fronteira ao longo de mais de dois quilómetros de frente de rio. Excluindo o quadrante leste, onde a atividade é aquática, em seu redor o tecido industrial é pontuado por muitas unidades fabris de construção e transformação e uma comunidade de transportes e de logística muito ativa, condimentos suficientes para elaborar um processo de reconversão de uma indústria que utilizava combustíveis fósseis. Stricto sensu, é transformar uma indústria clássica em indústria sustentável.
“Estamos a trabalhar no sentido de consolidar um hub de hidrogénio verde. Ainda não atingimos a fase de poder dizer que está já constituído, mas já há uma série de parceiros que estão alinhados para o construir. E parceiros na área da utilização, na área da distribuição, parceiros que produzem, autarquias que são parte interessada no serviço às populações. Portanto, existe um conjunto de utilizadores industriais e logísticos que podem densificar esse hub de hidrogénio”, contextualiza Vitor Coelho, administrador executivo da HyChem.
Reconversão mais próxima
Afirma este dirigente estar a empresa a trabalhar para que possa apresentar soluções de descarbonização às indústrias que, neste momento, ainda são consumidoras de combustíveis fósseis, com efeito de estufa, designadamente gás natural ou outros. “O hidrogénio é uma fonte alternativa, que não produz emissões de carbono, e o verde é uma excelente forma de ajudar a descarbonização dessas áreas. Temos, para além do hidrogénio propriamente dito, um elevadíssimo know-how no que respeita às tecnologias e aplicações de microalgas, no quadro do conjunto de empresas que constituem este conglomerado, e as algas podem ser usadas no tratamento de águas e efluentes de indústrias que aqui estão localizadas. Até pode ser usado dióxido de carbono como nutriente da produção de biomassa, que depois alimentará, como fonte de energia, as empresas que produzem esses efluentes. Temos aqui uma vertente muito integrada, de natureza marcadamente circular e sustentável, na qual o hidrogénio verde é um vetor.”
Em redor existem empresas com necessidades de descarbonização, e que também podem ser produtoras de energia. Diz Vitor Coelho que, nas coberturas dos edifícios de empresas, pode ser captada energia fotovoltaica, acreditando que este conceito venha a ser uma mais-valia para todos os operadores na zona. Por parte da HyChem, Vitor Coelho esclarece que o processo de eletrificação de forma renovável - que certifica como “verde” o hidrogénio produzido - deverá atingir, em próxima fase, 14 MW de potência, e que apenas aguarda suporte financeiro do PRR Descarbonização.
Interesse da mobilidade
A recetividade a todo este processo de transformação é inequívoca, quer do tecido industrial, quer das autarquias e dos distribuidores, agentes que podem vir a ser peças-chave neste processo. “Temos sido contactados por empresas do setor da mobilidade interessadas em que lhes forneçamos hidrogénio para veículos de transporte de pessoas, e de mercadorias, pelo que necessitamos de instalar um posto de abastecimento”, informa Vitor Coelho. A HyChem utiliza 20 MW de potência elétrica no processo de eletrólise de salmoura, para a produção de clorato de sódio – agente branqueador da indústria de pasta de papel - e de hidrogénio, o que oferece enormes possibilidades. E as solicitações são muitas, especifica Vitor Coelho: “Há empresas que querem colocar táxis e camiões movidos a hidrogénio, ou outras soluções, para além da injeção na rede, como forma de substituir parte do gás natural e descarbonizar alguma indústria. Isto são formas que vemos muito concretas de contribuir para a descarbonização ou para soluções de mobilidade.”
Parte da solução
A HyChem já produz 1700 toneladas/ano de hidrogénio, mas tem capacidade para rapidamente produzir até 2400 toneladas/ano, através de investimentos que a empresa já tem encadeados, com recurso a apoio europeu para o efeito. “Imaginemos um operador que queira colocar aqui um posto de abastimento de hidrogénio para servir, por exemplo, uma rede de táxis ou camiões de serviços municipalizados. O que nós produzimos é muito mais do que esses operadores necessitariam. Mas claro que, depois, há um conjunto de operadores industriais aqui perto que consomem gás natural e que estão interessados em substituí-lo por hidrogénio. E aqui há grandes consumidores. Porventura, consumiriam muito mais do que nós podemos produzir. Mas, no futuro, poderemos satisfazer as necessidades de uma parte do hub. E há ainda questões relacionadas com outras fontes, como o biometano, produzido por terceiros. Seremos parte da solução, não seremos, obviamente, a solução para toda a gente”, sublinha o administrador executivo da empresa.
Fazer chegar o hidrogénio a quem dele necessita só será viável através de pipeline – visto ser um contrassenso o transporte em cisterna em longas distâncias - ou com posto de abastecimento nas instalações, para as utilizações rodoviárias. As infraestruturas geridas pela Floene, ou outros parceiros, por exemplo, podem levá-lo a uma clientela mais ou menos longínqua, ou usar a estrutura de rede de distribuição de gás que possa canalizar o hidrogénio.
A relação da HyChem com os organismos públicos é classificada de muito boa por Vitor Coelho, que também destaca a colaboração profícua com as autarquias de Loures e de Vila Franca de Xira, esta particularmente interessada no desenvolvimento do hub.
A HyChem integra algumas agendas mobilizadoras, designadamente o Move2LowC, e tem em curso o projeto HyChemLowC, para o seu parque solar e outros investimentos no âmbito do programa PRR Descarbonização. “Existem projetos PRR e existem candidaturas de outras empresas do grupo a fundos europeus, o que é recorrente nas nossas atividades de I&D. Já o fazemos há muitos anos, antes de aparecer o PRR. Recentemente, por exemplo, candidatámo-nos ao European Innovation Fund, para adicionar mais 5 MW de capacidade de produção de hidrogénio a partir de eletrólise. Isso permitir-nos-á produzir uma maior quantidade de hidrogénio verde a partir de uma fonte renovável interna, embora possamos produzir o hidrogénio verde que quisermos, desde que compremos energia elétrica verde.”
Posto de abastecimento
Contam-se pelos dedos os automóveis movidos a hidrogénio em Portugal e mais raro ainda será encontrar um posto para abastecimento – existe um, em Cascais, e em toda a Europa haverá mil –, embora o anterior Governo tenha já autorizado a comercialização de hidrogénio, e bem assim de biometano nos postos convencionais.
Mas parece faltar pouco para a HyChem criar nas suas instalações tal infraestrutura. “Está em curso a adjudicação. Ainda existe a convicção de que o único hidrogénio disponível será aquele que virá de Sines. Ora, nós produzimos hidrogénio há décadas. Vamos abrir um ou mais postos porque já temos pedidos nesse sentido. E estamos seguros que amanhã, ao abrirmos um posto... outros clientes, carros, autocarros e camiões começam a aparecer. Este é um processo de construção, que vai nascendo em paralelo”, adianta Vitor Coelho, que considera a instalação do posto de Cascais uma excelente ideia - “até porque não faz sentido trazer o hidrogénio de fora”. “Temos no nosso parque um automóvel movido a hidrogénio, que foi adaptado e funciona lindamente. Seria um desperdício, um despesismo, deitar-se fora uma frota em vez de a substituir, através de um retrofit específico para o hidrogénio. Nós acreditamos também que essa será uma das soluções. E também acreditamos que tem de haver incentivo aos operadores, quer pela política comum europeia, quer pelos governos nacionais, como medida de apoio à transição para este tipo de combustíveis, limpos, renováveis, sustentáveis”, justifica ainda.
Motor marítimo adaptado para hidrogénio está em ensaios
Nas instalações da HyChem já se encontra um motor marítimo a converter para um novo sistema de combustão dual (gasóleo/hidrogénio), no âmbito do projeto Hydrogen Pioneer, que integra a TecnoVeritas, especialista em engenharia naval (parceira na HyVeritas) e a Mitsubishi. A HyChem participa com o banco de ensaios e o know-how industrial. O objetivo deste projeto consiste em aferir a viabilidade da conversão de motores marítimos para operarem a hidrogénio, substituindo o diesel, o que apresenta enormes vantagens: desde logo e a principal, cumprir o objetivo de descarbonização, mas também garantir uma nova vida aos motores convencionais e reduzir o investimento dos armadores.
Com a substituição do diesel pelo hidrogénio, as emissões de carbono reduzir-se-ão também em até 90 a 95%, e as emissões de óxidos de azoto em até 99%.
A HyChem disponibiliza as suas infraestruturas e o conhecimento adquirido para o desenvolvimento de tecnologia e o alargamento das aplicações do hidrogénio.
O motor marítimo a gasóleo da Mitsubishi foi recebido e instalado numa sala remodelada, próxima à rede de energia e ao PT da fábrica, de modo a facilitar o desenho das tubagens de ligação. Uma vez convertido pela TecnoVeritas para trabalhar a hidrogénio, e para provar o conceito, o motor será testado em funcionamento durante 8000 horas, quase um ano. A HyChem fornecerá o hidrogénio (excedente da sua produção) e consumirá a energia elétrica que o funcionamento do motor, ligado a um gerador, permitirá produzir.
A aplicação desta solução na indústria naval, um dos setores do transporte mais difíceis de descarbonizar, possibilitará a conversão da vasta frota existente, maximizando a redução de emissões com um investimento muito inferior ao da aquisição de unidades motrizes novas.
In Revista Eurotransporte n.º 140